A Madeira é linda. Ponto final. Não é preciso exagerar, nem dourar a paisagem: a ilha fala por si. Picos que rasgam as nuvens, levadas que deslizam entre a mais bonita paleta de verdes, o mar ali, sempre perto, sempre imponente. Para quem chega, é um deslumbre imediato. E para muitos, a experiência resume-se a isso: miradouros, levadas famosas, uma poncha em Câmara de Lobos e umas quantas selfies com o pôr do sol – ou o nascer se forem corajosos para desbravar as filas de carros intermináveis no Pico do Areeiro às 6 da manhã. E depois, o regresso à vida normal, com o telemóvel cheio de fotos bonitas.
Mas a minha Madeira – a que cresci a ver, a que ainda procuro quando volto – não cabe nesse postal. É uma ilha mais discreta, mais autêntica, muitas vezes invisível para quem vem de fora. Uma Madeira que não está nos roteiros nem nos vídeos promocionais, mas que ainda resiste, embora cada vez mais abafada pelo barulho do turismo de massa.
Penso em São Jorge, por exemplo, um lugar que adoro. Uma freguesia encaixada entre os montes e o mar, onde o tempo anda mais devagar. Onde as senhoras ainda cuidam da horta de lenço na cabeça e os cafés são como salas de estar partilhadas, onde todos se conhecem e ninguém está com pressa. Não é o tipo de lugar que aparece nas capas de revista, mas é ali que a Madeira se sente com mais força.
E penso também no Paul do Mar, mas não naquele das pranchas de surf e dos mojitos ao pôr do sol. Falo do porto, do cheiro a rede e peixe, dos homens que ainda olham o mar como quem lê um livro antigo. Ali, a vida continua ao seu próprio ritmo… Sem filtros, sem promoções.
A verdade é que esta Madeira está a ficar mais difícil de encontrar. O turismo trouxe muito à ilha, é verdade. Empregos, rendimento, visibilidade internacional. Não há uma única pessoa que não me diga ‘’wow, és da Madeira? Que incrível!’’ Mas também trouxe consequências. Hoje, há sítios onde é quase impossível viver se fores madeirense, porque o alojamento se transformou num negócio para turistas. Há levadas onde já não se ouvem os pássaros, só passos e conversas em línguas estrangeiras.
E custa. Custa ver o que é nosso tornar-se produto. Custa ver jovens a sair porque já não conseguem pagar uma casa onde nasceram. Mas ainda vamos a tempo. Acredito mesmo nisso.
Acredito que podemos voltar a pensar o turismo com cabeça, coração, peso e medida. Que podemos mostrar a Madeira sem a esgotar. Que podemos acolher quem vem, mas sem perder a nossa identidade no processo. Acredito que é possível viajar devagar, ouvir quem vive cá, conhecer os nomes das pessoas e não só os dos sítios. E acredito que nós, madeirenses – os que cá estão e os que cá voltam – temos um papel fundamental nisto. Somos nós que conhecemos os segredos, os recantos, as tradições.
É preciso ter coragem para dizer que nem tudo o que brilha é progresso. Que o desenvolvimento tem de incluir quem cá vive e que há valor naquilo que não dá lucro imediato: uma conversa no café da vila, uma receita que não se encontra nos restaurantes, um caminho de terra batida que leva a um sítio esquecido.
A autenticidade não se vende, protege-se. E talvez não consigamos impedir que a Madeira mude. E ainda bem. Os lugares que não mudam, morrem. Mas podemos decidir como ela muda. Podemos escolher que histórias queremos que sobrevivam. E podemos, sobretudo, garantir que quem cá vive continua a ter lugar neste postal cada vez mais saturado.
Porque a verdadeira Madeira não se mostra… Sente-se. E essa, eu espero, nunca deixe de existir.