Temos assistido a uma miríade de soluções para o problema da habitação. Surgiram “especialistas” – ausentes nas últimas três décadas – com outras tantas propostas miraculosas. Mas mais do que soluções avulsas é necessário promover reflexões profundas sobre a estratégia global para a habitação. Num ponto estamos em acordo, é necessário (re)construir. Porque se por um lado é preciso construir mais habitação por outro é necessário reconstruir a cidade adaptando-a a estas novas exigências. A pressa em resolver o imediato impede a reflexão sobre o essencial: que cidade queremos construir? Que território queremos habitar?
Longe vão os tempos em que a habitação criava espaços para habitar, e não apenas edifícios para dormir. O conjunto habitacional da Nazaré, talvez o melhor exemplo na Madeira, foi pensado para além dos edifícios, privilegiando o espaço público, a vivência comunitária e a escala humana. Edifícios de usos mistos, jardins, estacionamentos, largos e quiosques compunham a base de uma vida comunitária que interessava fomentar. Hoje, a lógica dominante preocupa-se apenas com a quantidade de tipologias, ignorando que construir rápido e sem critério resulta em espaços alienantes, desumanizados e sem identidade. O problema nem é político, é cultural, social até.
Assistimos a uma destruição silenciosa da paisagem madeirense, onde a urgência em construir está a comprometer o território de forma irreversível. A necessidade de habitação tem que ser encarada como mote para a reflexão e não pode ser desculpa para a banalidade arquitetónica. O mercado segue um ritmo frenético, completamente desligado de uma visão estrutural para a região.
Creio que qualquer pessoa que procura (uma) habitação procura também condições para viver, e não apenas para sobreviver. Um teto pode garantir abrigo, mas só um espaço qualificado garante dignidade, conforto e pertença. E isto não é um problema imputado a quem necessita da habitação, mas sim a quem a promove. A habitação não pode ser reduzida a um exercício de metros quadrados e orçamentos – tem de ser vista como um elemento estruturante da cidade, capaz de promover a vida em comunidade e a identidade dos lugares.
A Madeira conhece bem, na sua memória recente, os impactos negativos da construção habitacional desenfreada a nascente, feita sem o suporte de uma estrutura urbana adequada, sem uma rede de mobilidade eficiente e sem espaços públicos qualificados. Hoje, muitos desses conjuntos habitacionais não passam de enclaves isolados, dispersos em áreas periféricas, desconectados da vida urbana e sem a infraestrutura necessária para garantir qualidade de vida aos seus habitantes.
Aprendamos com esses erros, e se hoje fizermos um planeamento cuidado, ponderado e estruturado, daqui a 20 anos não estaremos a remediar os erros do passado. A pressa na construção e a sua dispersão aliada à falta de uma visão integradora resultam sempre em custos elevados no futuro, tanto financeiros como sociais.
Agora é o momento de decidir se queremos repetir esse ciclo ou se temos a coragem de projetar cidades verdadeiramente habitáveis, onde a habitação é pensada como parte de um todo e não como cogumelos isolados no território. É necessária habitação, mas são ainda mais necessárias condições para habitar.