Cá estamos nós: uns divertidos, outros frustrados, mas todos à espera que mais um magote de iluminados se instale nos respectivos assentos da Assembleia da República Portuguesa e molde o novo governo que, com aturada diligência, nos imporá a sua visão do que é melhor para nós. Esclareço, a bem de evitar mal-entendidos, que escrevo este texto depois de visitar a assembleia de voto cá do bairro, mas muito antes de saber qual o resultado do exercício.
O desfile de vaidades e promessas de circunstância que foi a campanha eleitoral já passou e deixa poucas saudades. Ou muitas, dependendo do prisma. Isto de ver tantos proeminentes membros da sociedade mandar atoardas com ar de erudição, superior indignação ou enojada condescendência, para depois serem publicamente desmentidos, tem o seu quê de entretido. É como quando prevemos um acidente e ficamos a vê-lo acontecer. É humano — é português.
Desde as mentiras, umas mais despudoradas que outras, às imitações baratas de líderes passados tantas vezes criticados pelos imitadores, vimos e ouvimos de tudo, incluindo autoproclamados seres providenciais com dificuldades em engolir a hipocrisia à pressa para não ter a admitir.
Os incumbentes, além das habituais campanhas transformistas, em que um indivíduo é ministro agora e um minuto depois candidato, espalharam maquiavélicas armadilhas aos opositores. Estes foram caindo nelas, sôfregos por sangue, e depois foi seguir a máxima napoleónica de não interromper os adversários quando eles estão a fazer asneira.
Também vimos um ex-ministro, economista, dizer que fazem lucro empresas do estado que passam as perdas, seja todos os anos ou quando dá jeito — há-as a gosto —, para as involuntárias costas dos contribuintes. Assim qualquer um tem lucro.
Depois vimos o número de fecho do circo. Um candidato ao governo — o próprio o assegura — mostrou-se humano e teve um susto de saúde em directo. A onda de empatia que se seguiu também foi humana, mas a lembrança de que este líder partidário criticara, num passado bem próximo, o então Primeiro-Ministro por ter recebido o tratamento de via-verde no hospital para que foi levado, não deixou de assombrar o auto-proclamado impoluto por ter sido, também ele, conduzido pela mesma via-verde de privilégio. Em vez de admitir o erro da crítica passada, preferiu carregar na vitimização e tentou reivindicar o seu momento “Marinha Grande”, ou “raspão na orelha”. Afirmou, o engulhado líder, que teve aquele tratamento porque o queriam matar, que até tentaram, no hospital. Esta vitimização foi mal calculada — precipitada, digo eu (talvez o ácido tenha subido acima do pescoço) —, já que a tentativa de linchamento foi negada tanto pelo hospital, como pelas forças de segurança. Longe de dar o braço a torcer, em mais do que uma forma, o líder arriscou mandar às malvas os conselhos médicos e voltou à campanha. Mais um espasmo; um refluxo. A empatia esbate-se, mas a dependência do partido em relação àquele líder torna-se evidente, até porque voltou a não seguir os conselhos médicos (e Presidenciais). Confirma-se que este partido é tudo com o líder, nada sem o líder, nada além do líder.
Esta campanha, trazida à nossa santa paciência por trapalhadas de um jurista, que aproveitou para armadilhar os opositores e estes caíram que nem patos, acabou por ser esclarecedora, apesar do esforço dos contendores. Por mim, solidificou-se a crença de que não há, perto do poder, gente séria e desinteressada.
Por mim diverti-me, mas vazio de esperança.