A constância é a virtude dos fortes

No tempo presente, em que os ciclos políticos parecem cada vez mais breves e vulneráveis às marés da inconstância social, talvez valha a pena recuperar, com alguma serenidade filosófica, a lição intemporal de uma velha fábula… àquela em que uma tartaruga, desprovida de pressa, mas firmemente convicta do seu propósito, supera uma lebre que, confiando em demasia na sua ligeireza, acaba por tropeçar na sua própria displicência.

Esta narrativa, aparentemente pueril, contém em si um arquétipo comparável ao cenário político a que temos assistido nos últimos tempos: o do triunfo da perseverança sobre a volubilidade, da constância sobre o ímpeto. E serve, curiosamente, como uma chave interpretativa possível para os recentes acontecimentos tanto a nível regional como nacional.

Na Madeira, uma moção de censura precipitou a queda de um Governo que, longe de se extinguir sob o peso do dissenso, encontrou no sufrágio popular uma nova legitimação. Como a tartaruga, prosseguiu o seu caminho, um passo após o outro, alicerçado na confiança serena do eleitorado. E, tal como na fábula, a vitória não nasceu da velocidade, mas da solidez.

No plano nacional, o enredo teve tonalidades distintas, mas a génese — uma crise de governabilidade — partilha semelhanças estruturais. E se, à hora em que redijo estas linhas, ainda não conheço o desfecho eleitoral da Nação, faço votos de que o resultado tenha representado, também aí, uma reafirmação da maturidade democrática e do desejo de estabilidade que, nos tempos que correm, se torna cada vez mais escasso e mais necessário.

Não se trata, evidentemente, de comparar o debate político a uma corrida ingénua entre dois animais simbólicos. Mas antes de evocar, com humildade e ironia civilizada, a forma como, por vezes, o tempo e o ritmo — tantas vezes desvalorizados em política — podem revelar-se forças redentoras. A democracia é isso mesmo: o espaço onde o tempo do povo se cruza com o tempo das instituições. E é nesse entrelaçar que se joga o futuro.

A participação cívica — esse ato sublime de delegação de poder — é muito mais do que um gesto episódico. É uma afirmação de pertença e de responsabilidade. É por isso que o voto não é apenas uma escolha transitória, mas uma manifestação de consciência coletiva. E é também por isso que, em momentos de incerteza, devemos regressar aos princípios: ponderação, continuidade, resiliência.

Se a tartaruga venceu, foi porque não duvidou do caminho, mesmo quando todos pareciam correr noutra direção. E se os madeirenses, em tempo recente, renovaram a sua confiança num projeto político, fizeram-no com a mesma clareza de quem sabe que há momentos em que o essencial é não desviar o olhar do horizonte.

Que assim tenha sido também no dia de ontem.

A Constância é a virtude dos fortes. Jean de La Bruyère

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *