Comecei recentemente um novo trabalho que me permite trabalhar, durante 30 dias úteis por ano, a partir de qualquer lugar na Europa. Que riqueza, não é? Para muitos, pode parecer um detalhe. Para mim, representa liberdade e foi uma das coisas que mais pesou na decisão de aceitar este novo desafio. E vinda de uma ilha como a Madeira, esta possibilidade toca num ponto sensível: poder estar mais perto de casa, sem ter de abdicar da minha vida profissional. Sim, porque estes 30 dias úteis (ou um mês e meio) vão ser usados certamente na ilha para várias ocasiões como aniversários, festas ou simplesmente para matar saudades.
Ao longo dos anos, fui-me habituando à ideia de que o trabalho acontecia num escritório, entre quatro paredes, com horários fixos e presenças obrigatórias. Mesmo depois da pandemia, que nos provou que é possível fazer bem o nosso trabalho à distância – vá, para aqueles que podem fazê-lo à distância -, senti que o regresso ao “normal” trazia de volta uma velha crença: a de que só conta quem está fisicamente presente.
Mas o que este novo modelo me mostra que o trabalho remoto não é apenas sobre conforto. É sobre confiança, é sobre dar autonomia, respeitar ritmos diferentes, valorizar o tempo. É sobre reconhecer que produtividade não depende de localização e que estar presente vai muito além de estar sentado numa secretária das 9h às 18h.
No meu caso, esta flexibilidade significa que posso trabalhar a partir da Madeira, não em modo férias, mas com a mesma entrega de sempre e com a recompensa de ir dar um mergulho depois do trabalho ou uma beber uma ponchinha à beira-mar com família e amigos. E isso muda tudo. Poder ver o mar da minha janela, estar com os meus, respirar um outro ritmo e ainda assim manter-me ligada ao mundo profissional e aos meus projetos… É uma forma de equilíbrio que antes parecia impossível porque antes era: ‘‘Vou de férias para a Madeira outra vez ou vou a algum lugar novo? Tenho saudades de casa, mas também sempre quis ir a X país, contudo os dias de férias escasseiam’’.
Acredito que, para regiões como a Madeira, esta nova abordagem ao trabalho pode mesmo ser transformadora. Há tanto talento na ilha, tanta gente com competências incríveis, que acaba por sair por falta de oportunidades, seja para o continente ou até para fora do país. Se o teletrabalho for levado a sério (com boas condições, estruturas de apoio e uma cultura de respeito) deixa de ser preciso escolher entre ter uma carreira internacional e estar mais onde se é feliz.
Claro que nem tudo são rosas. Trabalhar remotamente pode isolar, pode apagar quem não está por perto, pode esticar o horário até ao limite. É preciso haver regras, clareza, uma boa comunicação. E, acima de tudo, é preciso que as lideranças saibam gerir à distância: não com controlo, mas com objetivos bem definidos e confiança na equipa.
Também é preciso que esta possibilidade não fique só nas mãos de quem já tem acesso a certos privilégios. O Estado, as empresas, todos temos um papel em garantir que o trabalho remoto é uma opção real para mais pessoas, com os mesmos direitos, a mesma valorização, a mesma dignidade.
O futuro do trabalho já não se limita a open spaces e escritórios centrais. Pode estar num café em Lisboa, num cowork em Bruxelas ou numa varanda em Câmara de Lobos. O importante é o que entregamos, como colaboramos, como crescemos… Não onde estamos sentados. A produtividade não tem morada. E o talento também não. É crucial que as empresas acompanhem os ventos da mudança. Porque o futuro do trabalho é remoto. Ponto.