Machosfera precisa de políticas públicas e regulação defendem especialistas

Académicos, ativistas e associações defendem uma intervenção política na machosfera, que promove a violência ‘online’ sobre mulheres, e uma regulação das plataformas digitais que lucram com os conteúdos, a par de enquadramento legal e educação para a igualdade.

“Não há nada de normal num grupo de Telegram em que se partilham fotos de raparigas e mulheres sem consentimento, se partilham moradas e muitas vezes se organizam ataques sexuais concertados. É isso que acontece nestes grupos. Isto é conhecido. É de uma irresponsabilidade tremenda que não estejam todos os partidos políticos alinhados e na fila da frente para combater esta realidade”, censura Paula Cosme Pinto, ativista pela igualdade de género.

Perante a “normalização do discurso de ódio contra as mulheres”, importa “que a lei faça o seu trabalho” e “o que ainda não é punido por lei tem de passar a ser”, algo que tem de se somar à educação para a igualdade e sexualidade.

Inês Marinho, fundadora da Associação Não Partilhes, defende “reformas na lei” para proteger as vítimas com “penas mais severas”, impedindo o acesso à Internet de “pessoas condenadas ou em processos de denúncia por crimes cometidos ‘online’”.

Maria João Faustino, especialista em violência sexual, pede a “responsabilização” das plataformas.

“Basta procurar qualquer coisa, até relativamente inócua, mas ligada ao universo masculino, para que o algoritmo ofereça um crescendo de conteúdos cada vez mais extremados”, conta.

Para a especialista, “é muito fácil culpar os jovens e as famílias, como se coubesse unicamente às famílias responder a isto”, mas estes são “problemas mais amplos e há responsabilidades coletivas” às quais a sociedade se tem furtado.

O problema é social e precisa de “intervenção preventiva”, nomeadamente de “educação para a sexualidade e igualdade desde muito cedo”.

A sociedade permitiu que “a misoginia galopante não fosse tratada devidamente nas escolas, com políticas públicas” e homens e rapazes “são socializados numa cultura que promove a violência contra as mulheres, que se glorifica na pornografia, nos videojogos ou no entretenimento”, lamenta.

Diana Pinto, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, repara que a pornografia, “incentivada nos fóruns onde se promove o ódio contra as mulheres”, é um “dispositivo de socialização onde se aprende que a violência é excitante, que o consentimento é irrelevante e o prazer das mulheres é secundário ou inexistente”.

O resultado são “novas gerações com ideias profundamente distorcidas sobre intimidade, consentimento, prazer mútuo e igualdade”.

Para a Plataforma, há “um problema estrutural que não se resolve apenas com a alteração penal”. É preciso “a desconstrução da cultura da violência, dos estereótipos sexistas e de género”, um “trabalho mais lento, mas cada vez mais urgente”.

O problema “é político”, assegura Tiago Rolino, jurista, gestor de investigação e ativista.

“Não só é político, porque precisamos de políticas públicas robustas que alterem a situação, mas porque o pessoal é político e tudo o que fazemos tem uma consequência em todos nós”, analisa.

Educar, criminalizar e criar uma definição da violência ‘online’ é o que sugere Inês Amaral, investigadora do Observatório de Masculinidades do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Nos casos das vítimas de violência sexual ‘online’, é “muito difícil chegar a uma condenação justa”, reconhece Joana Sales, da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta.

“É raríssimo. Com o anonimato e os perfis falsos é difícil provar quem fez, quem partilhou. E, uma vez ‘online’, fica para sempre”.

A vice-presidente da FEM – Feministas em Movimento, Sandra Cunha, pede “regulação e limite” para as plataformas, considerando que “em algum momento este tema tem de estar na agenda política”, nomeadamente na da União Europeia.

Defende ainda a “educação para a cidadania, a igualdade, o respeito”, que também está sob constante ataque por parte da extrema-direita.

“O problema da ciberviolência nas escolas é uma coisa impressionante. Não há uma escola em que não haja casos que tomam proporções enormes num instante”, revela.

“Na rua, as pessoas não podem dizer o que entendem a outra pessoa. É crime, é discurso de ódio. Então, na internet também não podem”, sublinha.

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