Os madeirenses experimentam um momento novo na indústria do turismo.
Durante décadas, habituámo-nos aos “ingleses” de várias nacionalidades que conheciam a ilha de táxi ou em autocarros com guias.
Visitavam o Jardim Botânico, o Cabo Girão, o Pico do Areeiro e outros locais assinalados.
Eram poucos. Eram ordeiros. Eram velhos simpáticos que ficavam grande parte do tempo nos hotéis.
Alguns até deixavam gorjetas!
Mas esse tempo acabou. Veio a covid-19, que nos deixou completamente à mingua, e depois a avalanche que se conhece, com turistas de perfil distinto.
São bem mais novos. Trocam os autocarros por jipes ou viaturas de aluguer e os guias por aplicações de GPS. Metem-se estrada acima e fazem da nossa terra a terra deles. Como fazemos nós quando turistas.
Deixaram de admirar as belezas da Madeira conforme os catálogos e passaram a viver quase como nós. É o tempo das experiências. E eles experimentam tudo. Fazem levadas perigosas como se fossem passeios na avenida. Percorrem os lugares conhecidos e aventuram-se por estradas sem saída.
Ao contrário dos casais velhinhos que faziam pisca para dar passagem aos condutores madeirenses, os novos dão luta. Aceleram e esticam o dedo do meio perante a nossa condução mais agressiva, que não os incomoda.
São novos, já se vê.
É claro que muitos vão a restaurantes ou consomem nos hotéis, mas também há os que optam pelas sandes, frutas e águas de supermercados.
É evidente que a maioria paga para dormir em confortáveis hotéis ou Alojamentos Locais. Mas também há aqueles que, por aventura ou falta de dinheiro, se arriscam a dormir onde calha.
Muitas vezes calha nos miradouros. Nos abrigos da serra. Até nas paragens de autocarro. É onde for possível estender a tenda.
Esta semana, como em tantas outras, o JM deu conta de episódios destes.
Foi um grupo que pernoitou em carros no Miradouro do Guindaste com vidros cobertos por roupas e um improvisado banho no local.
Outros aproveitaram uma área de lazer no Chão da Ribeira.
Fora aqueles que encontram nos abrigos para churrasco na serra uma espécie de cabana onde só falta o amor. E isso eles levam.
Este quadro, a juntar às filas de trânsito automóvel em tantos locais da ilha, aos estacionamentos irregulares, às veredas agora feitas em fila indiana trazem muitos madeirenses indignados.
O incómodo até é aceitável, pois é uma situação nova. Mas daí aos ensaios de revolta e às sugestões para travar esta moda, vai uma distância do tamanho do Caminho Real de ponta a ponta.
Porque o incómodo de uns é a fonte de receita de muitos outros, direta e indiretamente.
Esta leitura simplista não significa que está tudo bem e que vivemos no melhor dos mundos. Não está, não vivemos. Mas o contrário do que temos seria um problema bem maior.
Nesta circunstância – e tendo por verdadeiro que não vamos fechar fronteiras – parece razoável aprofundar a reflexão que já existe para criar alternativas que sejam interessantes para os turistas e boas para os residentes.
Porque temos mesmo de aprender a viver também com estes jovens sedentos de aventura que dispensam viagens com marcações prévias. Basta-lhes comprar a passagem, uma tenda na mochila e alugar um carro.
A partir daí cabe ao Instituto de Florestas e outras autoridades a responsabilidade de fazer a diferença, com persuasão em vez de repressão.
O resto, resulta das dores de crescimento de um setor que vive uma fase semelhante aos nossos percursos pedonais: com altos e baixos.