Cheguei a Luanda a 25 de fevereiro de 1995 e nunca me esquecerei do bafo de calor e humidade que me envolveu ao sair do avião. Para quem vinha do inverno da Bélgica, o contraste não podia ser mais marcante! Tinha 27 anos e nunca tinha estado em África, pelo que estava ansioso. Achei curioso estar num país tão distante e diferente do meu, mas onde todos falavam o meu idioma com aquele encantador sotaque tropical. Ao entregar o meu passaporte no controle migratório, o oficial pediu-me dinheiro para o carimbar. Não fiquei surpreendido, pois já me tinham avisado deste tipo de práticas. O que me surpreendeu foi o caos na zona de recolha de bagagens. Muitas pessoas, que presumo não terem ligação ao aeroporto, assediavam os passageiros querendo trocar dólares, propor «táxis» para o centro ou transportar as malas. Felizmente, havia um colega com uma placa onde constava o meu nome e juntei-me a ele como uma lapa, pois estava ligeiramente assustado com a confusão.
O trajecto entre o aeroporto e o escritório foi inolvidável. A cidade estava num estado de degradação muito para além das minhas expectativas! As ruas cheias de buracos, muitos edifícios em ruínas, montanhas de lixo, carros circulavam sem para brisas ou sem capô, pessoas vestidas com trapos e indigentes mendigavam nas zonas onde os carros paravam. A Luanda dessa época era um circo de horrores! O que mais me impressionou foi a quantidade de amputados de guerra. Angola era o país com o maior número de minas antipessoal no mundo (um amigo que trabalhava em desminagem, disse-me que presumia-se haver mais de 10 milhões espalhadas pelo país). As consequências dessa arma terrível eram visíveis por todo o lado. Muitos amputados não tinham muletas e arrastavam-se pelo chão. Também havia muita gente afectada por poliomielite, com as pernas e os pés deformados, o que os impedia de andar. Como o estado providenciava poucas cadeiras de rodas, a única opção para os menos afortunados era arrastar-se.
Luanda foi construída para 475000 pessoas, mas em 1995, com o fluxo de refugiados internos que fugiam da guerra civil, a população cresceu exponencialmente para mais de 3 milhões. Todos os espaços vazios eram ocupados por barracas. Os edifícios mais luxuosos estavam paredes meias com os “musseques”. As assimetrias sociais eram impressionantes! Os 4×4 mais luxuosos circulavam pelas crateras das estradas da capital de Angola.
A violência era outra característica marcante! Quando a guerra recomeçou após as eleições de 1992, na batalha de Luanda, o governo distribuiu armas à população para combater a UNITA. As armas são fáceis de distribuir, mas difíceis de recuperar. Por isso, muita gente tinha armas. Qualquer simples disputa de trânsito, facilmente acabava em tiroteio. A pobreza extrema alimentava a violência e a polícia tinha salários miseráveis, que amiúde eram pagos com meses de atraso. Perdi a conta do número de tentativas de assalto. Duas vezes tentaram roubar-me o carro, uma delas por polícias bêbados. Outra vez assaltaram o escritório e roubaram dezenas de milhar de dólares. Roubaram uma ambulância da organização para a qual trabalhava sob a mira de uma arma, no parque de estacionamento das urgências do hospital central de Luanda, com uma grávida no interior. Quando saía de casa de manhã, sempre me questionava se regressaria são e salvo a casa no final do dia. Aprendi a viver com medo e não é uma boa sensação.
Mas também havia muitas coisas boas! Apesar dos constantes cortes de electricidade, sempre encontrava cerveja fresca. A noite de Luanda era muito animada, com muitos bares e discotecas, onde aprendi a dançar o quizomba. Os fins de semana eram invariavelmente passados nas praias da ilha de Luanda ou no Mussulo, onde ocorriam valentes pescarias. Aprendi a admirar o engenho e a capacidade de sobrevivência dos angolanos. Ali ninguém estava à espera de que o estado resolvesse os problemas. Não havia reformas, subsídio de desemprego ou pensões de velhice. Era cada um por si o que dava uma dureza e uma coragem admiráveis. Era viver um dia de cada vez, sem grandes estados de alma.
Voltei a Luanda em 2019 e a cidade estava irreconhecível. Os arranha céus, a marginal reabilitada, as estradas reconstruídas. Tudo tinha melhorado e o desenvolvimento tinha-se instalado. O que Angola necessitava era de paz!