Nem mais uma

A luta das mulheres pelos mesmos direitos e deveres que os homens é uma história de resiliência, feita de pequenas conquistas ao longo do tempo – diz-se que consagrada em Portugal com o 25 de abril de 1974. Mas será mesmo assim? A atualidade mostra-nos que estas vitórias não só não estão garantidas como estamos já a enfrentar severos retrocessos dessas conquistas. Os direitos conquistados estão a ser severamente postos à prova, ameaçados por discursos de ódio e fenómenos sociais cada vez mais complexos que parecemos teimar em ignorar.

O radicalismo já começa a pesar no debate sobre a igualdade de oportunidades e igualdade de género. Pesa, inclusive, sobre a liberdade pela qual tantos lutaram e continuam a lutar. Não podemos continuar a desvalorizar os posicionamentos extremados por parte de certos movimentos e, inclusive, partidos que têm contribuído para a criação de reações igualmente extremas. Infelizmente, não podemos estar a apontar o dedo apenas aos partidos e aos movimentos. São também as redes sociais, os influencers, os incels. Com discursos de ódio contra as mulheres, o futuro parece-se demasiado ao passado em que nós, mulheres, tínhamos medo de andar sozinhas na rua, fosse de dia, fosse de noite.

Um dos reflexos mais preocupantes desta dinâmica está na forma como os nossos jovens se relacionam com o mundo digital e com estes influencers, na forma como entram nestes grupos de incels que incitam ao ódio e à agressão às mulheres, sejam elas de que idade forem. Estamos a falar de violência reiterada, intencional e premeditada contra as mulheres.

As notícias veiculadas pela imprensa relatam um aumento de casos de violência contra as mulheres. O caso da divulgação do vídeo da violação de uma jovem de 16 anos partilhado na rede social tik tok deveria ser um alerta para todos os pais. Milhares de jovens assistiram, em direto, à prossecução de um crime. Ninguém o denunciou. Ninguém. Quando expostos, os arguidos usaram o argumento mais velho da história para justificar a sua ação: “ela mente”.

Este é apenas um dos muitos casos de violação que são denunciados. Quantas vezes ouvimos comentar “Ela pôs-se a jeito” ou “Se não se vestisse assim, não lhe teriam feito nada”?

Se continuarmos a permitir que persista o preconceito de que a mulher que denuncia a violação está a mentir ou “estava a pedi-las”, jamais conseguiremos educar os nossos filhos para a igualdade, para o respeito pelas mulheres (tanto quanto se deve ter ‘pelo próximo’). Jamais conseguiremos mostrar-lhes onde está o limite que separa o certo do errado. Entre a ignorância, a infelicidade, a inabilidade social e o ódio, surge o crime. Onde fica a vítima, que nos cabe a todos proteger?

Estamos perante uma geração exposta a uma influência descontrolada e desregulada, onde os reels e os likes definem o seu caráter, os seus valores e os seus limites. E nós estamos a falhar. Falhamos em proteger as conquistas dos direitos da mulher e falhamos em proteger todas as mulheres que são vítimas de agressão.

Somos a geração que consagrou o empoderamento das mulheres, mas não educámos a sociedade a aceitá-las. E agora cabe-nos a todos educar os nossos filhos para a sociedade que queremos ter: uma sociedade que não culpa a vítima de agressão, seja sexual, física ou psicológica, culpa o agressor.

Cabe-nos a todos, enquanto pais e cidadãos preocupados, atuarmos contra esta ausência de espírito crítico que teima em normalizar a violência contra as mulheres.

As conquistas dos direitos das mulheres não são um dado adquirido, nem nunca poderão sê-lo – são uma responsabilidade contínua, de todos.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *