Um pouco mais sozinhos…

Nós somos o que repetidamente fazemos, a excelência é, portanto, não um acto, mas um hábito – frase atribuída a Aristóteles, da qual gosto particularmente, acredito de facto que são os hábitos que nos definem, e o almejar a Excelência é um preceito de vontade que nos deveria guiar, numa lógica de aperfeiçoamento evolutivo.

Como tal, preparei-me para a escrita do artigo de opinião, o tema, o seu desenho e estratégia de narrativa evolutiva, com um objectivo claro, de gratidão pela música de excelência e referência em Portugal e no Mundo, ao melhor grupo musical Português. Fá-lo-ei, mas no próximo artigo. Porquê?

O tempo é escasso nos dias que correm, e a TV foi-se diversificando, e a oferta é muito grande, a qualidade de uma grande parte é de facto duvidosa, e acima de tudo o acto deverá ser prazeroso, positivo, de entretenimento, ou informação e conhecimento válido, se possível de enriquecimento cultural, daqui se depreende a dificuldade em encontrar pouso no cabo. Mas há sempre um pouso seguro que é a RTP2, e como tantas vezes o faço, no dia 26 estava a dar no RTP Palco, um concerto musical – A Luta Contínua, eu confesso que não resisto a ouvir pelo menos parte destes concertos pelo que me detive. Este fora um concerto criado por encomenda do Centro Cultural de Belém, juntando os Clã de Manuela Azevedo a uma miríade de géneros musicais interpretados por artistas nacionais, para celebrar os 50 anos (2024) do 25 de Abril.

Entro na emissão à 01h08m da mesma, a Manuela Azevedo acabara um dueto, e de repente o éter inunda-se. Fico assoberbado, um fado actual no estilo clássico como gosto, interpretado de maneira soberba, poderosa, com o timbre correcto, típico de um fadista das ruas e vielas da mouraria, e com uma mensagem tão forte, tão tristemente real, que só quem morava na baixa Alfacinha pode sentir em todas letras o poder da dor, da saudade de uma Lisboa cada vez mais vazia.

Jonas, Fadista, traz-nos luz à realidade obscura, com o seu fado – RBNB, de uma Lisboa que se vê despojada do seu bem mais importante, as pessoas que criaram a história da cidade, e a sua própria história, pessoas que se confundiam com os bairros onde moravam, e que à conta dos iluminados do capital fácil, que sem humanismo, e moral, expulsam os idosos das suas casas para criar AL e alojamentos colectivos para imigrantes, tudo a troco de dinheiro fácil modificando a essência da cidade, o seu virtuosismo e riqueza, a beleza que todos vem ver, mas que temo, daqui a uns anos não encontrarão mais.

Precisamos de líderes fortes, que pensem o futuro das cidades, que lhes permitam um aperfeiçoamento e evolução qualitativa, mas que se interessem verdadeiramente pelas pessoas, sem estas não haverá cidade de Lisboa, mas apenas mais uma cidade, igual a tantas outras, e Lisboa é muito mais que uma mera cidade.

Lisboa merece que o seu passado bairrista, mourisca, familiar, seja conservado, que o capital humano que de lá sempre brotou, se confunda com as calçadas e com os prédios, que a cidade seja viva, quente como outrora, cheia de vida, cheia de história e não vazia e fria como se está a tornar.

Deixo-vos o repto de no éter encontrarem a realidade – Fado, RBNB – Jonas:

“Adeus Clotilde adeus Norberto, Levaram tudo o que era certo, Ficaram trolleys sem rosto nem vizinhos, Aceno ao puto ao periquito, Adeus oh Graça de Granito, vamos para longe um pouco mais sozinhos… longe e mais sozinhos”.

Bruno Olim escreve à quarta-feira, de 4 em 4 semanas.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *