Portas e janelas

É através do simbolismo do banal que por vezes conseguimos atingir algo mais profundo da nossa existência. Portas e janelas são objetos do quotidiano que vemos diariamente e interagimos um sem número de vezes, quer com o nosso olhar, ou com o nosso toque. Utilizamos o seu simbolismo para repetir ao longo da nossa existência que quando uma porta se fecha, abre-se outra porta ou até uma janela. Uns atribuem este movimento ao divino, outros apenas a correntes de ar aleatórias, mas sem pretender assumir a causa de tantas portas que se fecham e tantas que se abrem, é necessário apenas aceitar que o movimento da vida é um movimento de abrir e fechar portas. Nada permanece da mesma forma, tudo se altera.

Passamos mais tempo perdidos dentro de nós próprios do que a apreciar as pessoas e oportunidades que temos à nossa frente. As nossas necessidades são cada vez mais importantes. “Eu mereço” associou-se a uma poderosa estratégia de marketing que a nossa imagem e felicidade misturou-se com a tríade das redes sociais – mostrar, ter, parecer. O ser, perdeu o pouco espaço conquistado e o que interessa agora é mesmo só parecer. A preocupação com a imagem sempre foi importante, mas com o ritmo acelerado das redes sociais, o espaço para ser está em vias de extinção. As redes sociais são um vírus que se espalham pelo nosso sistema central. Impedem-nos cada vez mais de estarmos em contacto com o que nos torna especiais como indivíduos e como espécie.

Quais são as portas da nossa essência, da nossa alma? Seja metafísica ou simbólica, como é que nos encontramos num mundo cheio de poluição? Há duas décadas era a poluição sonora, luminosa e ambiental que nos preocupavam. Agora temos a poluição digital. A forma mais eficaz de nos infetarem por dentro, no nosso âmago. Este é o problema das falsidades, da superficialidade instrumentalizada para dominar a nossa atenção. Das notícias falsas às emoções arrebatadoras. Tornaram-nos cata-ventos e perdemos o interesse no verdadeiro aborrecido, para o falso luminoso. Mesmo que seja através da melhor das intenções de motivarmos os outros para a mudança, o implícito “olhem para mim” é infantil e destruidor da nossa essência.

Na diluição humana nas redes sociais e na inteligência artificial, acelera-se a degradação do mundo ocidental materialista e capitalista. A nossa única salvação é olharmos para dentro de nós. Crescermos, não em músculo ou massa gorda, mas em valor interno, em verdade, em amor. Seja por motivos espirituais ou simplesmente por motivos sociais, precisamos de construir e viver a nossa melhor versão. Procurando a bondade, o amor ao próximo, estar presente no momento, sem distrações digitais. A partilha da nossa presença com o outro, a troca dos momentos mais curtos aos mais longos, em verdade e intimidade é profundamente transformador. É a nossa salvação desligar para poder ligar. Fechar as janelas e portas do mundo digital, para simplesmente estarmos connosco e com os outros.

Estar bem sozinho, a meditar, a ler, a passear é um importante pilar para podermos estar com os outros em amor, presença verdadeira. Existem muitas formas de amar, sejam amigos, familiares ou companheiros, mas a única forma de isso acontecer, é estando presente. Nem perdido no digital, nem perdido no nosso interior cognitivo/emocional. Este é o maior feito humano, colocar de parte tudo o resto, para simplesmente estar no eterno presente, partilhando o eterno abstrato amor uns com os outros e sentir que um abraço é um universo em si mesmo.

Daniel Neto escreve à terça-feira, de 2 em 2 semanas.

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