Hoje, mais de metade da população mundial já está ligada à Internet. As redes sociais digitais, uma das expressões sociais mais visíveis, apresentam-se como a principal infraestrutura de acesso à informação e ao debate público. Começa, aliás, a ocupar o sinal de “voz pública” e nalguns países ocidentais surge já como um dos elementos principais para o regular funcionamento da Democracia. De resto, as redes digitais, para além de permitirem a comunicação interpessoal, ou em grupo, permitem a capacidade de formar comunidades humanas cimentadas em interesses comuns, naquilo que é uma realidade sociológica nova.
Estima-se, aliás, que muito proximamente em Portugal 63% da população será informada pelas redes e não pelos meios tradicionais.
Paralelamente, as novas plataformas digitais (casos da Bolt, Uber, Glovo, Amazon, etc.) têm vindo a crescer.
Seguindo a argumentação da conceptualização do pensamento humano, como processamento digital de informação, primacialmente apontada a autores como T. Hobbes (talvez o primeiro), de que o raciocínio humano resulta de manipulação aritmética de símbolos. Aqui, estas plataformas, usam os meios tecnológicos totalmente assentes em formato digital exclusivo.
Estas práticas, frequentemente designadas por “gestão algorítmica”, atribuem tarefas, monitorizam, avaliam e tomam, inclusive, decisões sobre as pessoas que aqui trabalham. Um olhar atento e rápido ao atual mercado de trabalho leva-nos a concluir que a “gestão algorítmica” é, aliás, utilizada cada vez mais de forma diversa. Mas, é claramente inerente ao modelo de negócio das plataformas de trabalho digitais. Estamos, pois, perante uma clara inovação relativamente aquilo que caracterizava, até há bem pouco tempo, a convencional relação jurídica típica de índole laboral.
Quando reportamos estas “realidades” ao mundo do Direito e à regulação que este pretende assegurar, constata-se as inevitáveis dificuldades, que se sente, no acompanhamento, compreensão e respostas a este novo fenómeno social.
Na realidade, o Direito enquanto Ordem social é tradicionalmente, por um lado, resistente às grandes inovações instantâneas e, por outro, limitado de recursos axiomáticos e exegéticos -para além de técnicos-, que lhe permita acompanhar a velocidade e a intensidade com que muitas destas mudanças se fazem operar na vida social e profissional.
Será curial afirmar-se, assim, que a regulação jurídica deste universo digital (novo) está ainda no dealbar. Não colhe, pois, atualmente, sem mais e de forma acrítica, tentar aplicar às redes sociais e às plataformas (antes assinaladas), através dos novos meios digitais, limites decorrentes de conceções jurídicas tradicionais.
Aquilo, que concerne à esfera individual dos cidadãos é, de resto, relevante. As iniciativas tomadas pelos Estados para limitar os efeitos mais diretos de invasão da privacidade, como o Reg. Geral de Proteção de Dados na UE, ou o Reg. de Privacidade dos Consumidores na Califórnia têm-se revelado pouco eficazes. Acresce, ademais, nesta dialética concetual, que acaba sendo comum os próprios destinatários “renunciarem” à reserva dos seus dados, por forma a beneficiarem de serviços, que de outra forma lhes ficariam indisponíveis.
Estamos, de facto, perante uma nova realidade indefinível, que começa a seguir parâmetros próprios e que ocupa “antigos espaços” na dogmática jurídica. Estaremos muito provavelmente perante a necessidade de serem (re)conjugadas novas dimensões como: inovação tecnológica, comunidade de pessoas, esfera pública de interação humana; e, quiçá, (re)construir “novas dimensões”, de cariz jurídico, para conceitos que agora se redimensionam -com um cariz digital, como: lealdade, sigilo, reserva da vida pessoal ou proteção de dados pessoais ou da imagem. Acrescentando-se, ainda, conteúdos novos, como a privacidade, a identidade, o “esquecimento” ou o “desligamento”, aliados à liberdade de expressão.