Pressinto que o mundo está a tomar um rumo distinto daquele em que acreditei iria, e suspeito-nos perante uma inflexão na História da humanidade. Leio e oiço jornalistas e comentadores e acabo por concluir que todos lançam tiros no escuro. Falam talvez do que desejam ou então do que temem. E mudam, mudam muito. Antevisões categoricamente defendidas há alguns dias, de súbito, evolam-se no ar como se jamais tivessem existido e, com a mesma assertividade, se defende algo diverso daquilo que antes se afirmou. A notícia corre ao toque da mutabilidade global.
Costuma dizer-se que o povo é sábio. Confesso que tenho sérias dúvidas ao ver os “heróis” que elegem para os governar. Mesmo que esses governantes estejam num país distante, num mundo unido pela rapidez das possibilidades de comunicação, todos estamos próximos e as influências deslocam-se ardilosas, conduzindo a cenários que pensei nunca mais seriam possíveis. Sim, também entre nós. A instabilidade é global e não conseguimos prever como serão as próximas décadas, e o desconhecido incomoda.
Vindos de vários quadrantes, soam os entusiasmos bélicos, uns garantindo que a guerra é inevitável, pois a agressividade faz parte da natureza humana e o mais forte reclamará sempre o domínio, daí ser urgente armarmo-nos para nos defendermos. Outros, de olhos alumiados pelo fascínio do enriquecimento próprio, argumentam que as guerras não podem acabar porque alimentam a economia. Os mortos sobre os campos queimados, as vítimas estropiadas, violadas, deslocadas, escravizadas, os meninos traficados são efeitos colaterais sem rosto de que ninguém quer saber. Por certo, os lembrarão as mães, se elas próprias sobreviveram, a voltear por entre os escombros do que foi um dia o seu ninho.
A visão de cenas de guerra impressiona, mas, ao mesmo tempo, parece fazer alastrar e normalizar o egocentrismo, a intolerância, a impulsividade agressiva, o cinismo e a mentira. Confusos, duvidamos se o que vemos é o mundo real, ou o mundo que alguém nos quer mostrar na arena virtual. Vendo populações expulsas do seu pedaço de chão, apenas uma certeza me ocorre: se algum “herói” decidisse que este país lhe era útil e nos atacasse, ninguém nos acudiria.
Ódios e preconceitos que acreditei ultrapassados ou próximos da extinção surgem convictos e despudorados. Vozes que se calaram durante anos levantam-se altaneiras e alardeiam rancores velhos que ameaçam repetir a barbárie, num círculo vicioso da História que, desta feita, provavelmente nos conduzirá ao suicídio coletivo.
E, de repente, ficamos sem saber o que ensinar às nossas crianças, se a desacelerar ou a correr; a deleitar-se e a preservar a natureza que nos resta, ou a temê-la porque está em convulsão; a semear e cuidar do plantio até que cumpra o seu ciclo natural; ou se a terra é útil para plantar minas explosivas, para lhe perfurarmos as entranhas e estripá-la de metais que se dizem preciosos ou para cobri-la de betão; a respeitar os bichos, ou a criá-los em condições abjetas e insalubres, porque o mais importante é o preço dos seus cadáveres nos talhos da cidade; se é importante ser bondoso e solidário ou se “a empatia é um vírus, uma fraqueza da civilização ocidental”, como escreveu recentemente Elon Musk. O que os ajudará a sobreviver?
Atemorizo-me e calo-me, tolhida na minha impotência, e espero, com esperança, que os ventos mudem e o bom senso prevaleça.