Durante décadas, imaginámos a inteligência artificial (IA) como um exército de robôs que nos iria dominar. Os filmes de Hollywood ensinaram-nos a temer esta inovação: máquinas conscientes, frias, mais inteligentes do que nós, prontas para tomar controlo do planeta. Mas a verdade é que a IA não chegou com toda a pompa e circunstância que imaginamos. Esta tecnologia entrou pela porta da frente, discretamente e sem darmos conta já faz parte da nossa rotina.
Hoje, quando desbloqueamos o telemóvel com o rosto, quando o Instagram adivinha os vídeos que queremos ver, quando o banco detecta uma transação suspeita antes de nós…. Está a usar inteligência artificial. Esta tecnologia ajuda-nos a escrever e-mails, a planear viagens, a traduzir mensagens, a identificar doenças. Já não é ficção.
Há umas semanas, uma amiga contou-me que ligou para o centro de apoio de uma transportadora e foi atendida por uma assistente virtual. “Nem percebi logo que era um robô”, disse-me. “Só desconfiei quando insisti numa pergunta fora do guião e ela respondeu com algo completamente ao lado.” Esse momento, que pode ser visto como meio cómico, meio inquietante, mostra que a IA já gere partes das nossas interações, mesmo sem darmos conta.
E à medida que esta tecnologia infiltra-se em todas as áreas da sociedade, a União Europeia (UE) decidiu impor limites. Está prestes a adotar oficialmente a Lei da Inteligência Artificial (em inglês AI Act) tornando-se assim na primeira potência mundial a legislar de forma abrangente esta ‘nova’ inovação.
Mas o que é que isso tem a ver com a Madeira? Muita coisa. O AI Act foi concebido para proteger os direitos fundamentais dos cidadãos europeus, evitar discriminações e garantir transparência nos sistemas que usam IA. Pode parecer abstrato, mas este pacote legislativo terá impacto directo em sectores como a saúde, os transportes, a educação e os serviços públicos, inclusive nas regiões ultraperiféricas como a Madeira. Além disso, há o outro lado da moeda: a inovação.
A UE quer equilibrar regras com incentivos, especialmente para start-ups e PME (Pequenas e Médias Empresas). Isto pode vir a ser uma boa oportunidade para a Madeira. Com a criação do AI Regulatory Sandbox (esta é uma ferramenta que permite às empresas explorar e experimentar produtos, serviços ou actividades novas e inovadoras sob a supervisão de uma entidade reguladora), empresas de menor dimensão poderão testar sistemas de IA em ambiente controlado antes de os lançar no mercado. Isto abre uma porta a empreendedores madeirenses, ou a investidores interessados na Região, para desenvolverem soluções tecnológicas com selo europeu de confiança.
Mas há desafios e as regras são complexas. Além de que os custos de conformidade podem ser altos e a formação digital da população ainda está longe do que seria ideal. A Madeira, como outras regiões ultraperiféricas, precisa de garantir que não fica para trás na corrida digital. Isso significa apostar na literacia tecnológica, apoiar projectos de inovação e criar pontes entre as instituições locais e os programas europeus.
No fundo, esta nova legislação não é apenas sobre tecnologia. É sobre valores europeus: respeito pelos direitos humanos, transparência, segurança. E se queremos que esses valores sejam respeitados nos sistemas que usamos temos de começar por compreendê-los. A regulação da IA não é uma barreira à inovação, é o mapa que define os limites do jogo. A inteligência artificial veio para ficar. Cabe-nos decidir como queremos viver com ela.