O pecado da gula

As doçuras da quadra pascal atormentam os gulosos. Em tempo de fartura, o pecado da gula é quase uma inevitabilidade, porque quem não sabe gerir o que tem ‘à mesa’ acaba por cometer exageros. Sejam eles quais forem.

No Parlamento, por exemplo, a gula da Oposição acabou por lhes sair cara. Perderam a confiança que o povo lhes havia depositado para fiscalizar o Governo. Esbanjaram a força que tinham na tentativa de alcançar o que nunca tiveram. O risco não teve recompensa, pelo menos para a maioria dos adversários dos partidos do poder.

Acrescentou, todavia, mais responsabilidade a PSD e CDS. Que têm o dever de garantir a estabilidade prometida aos eleitores. E com urgência. Sem desculpas, porque o passado e o presente são da sua responsabilidade.

Mas a alteração do paradigma político, com o regresso da maioria coligativa, não terá sido bem recebida por todos os que votaram na estabilidade. Especialmente por quem ocupava cargos de confiança política e acaba de perdê-los, apercebendo-se, agora, da instabilidade em que viviam.

Esta espécie de dança das cadeiras, aliás, tem provocado desencontros e amuos de quem julgava ter assinado contrato vitalício e ficou sem o que detinha antes. E se perderam, a culpa é de todos menos deles próprios.

Tudo normal, de resto, porque quem não se sente… Só que também se percebe nestas alturas a fragilidade das doutrinas de quem, num ápice, passa do 88 para 8. Numa hora está tudo bem, na outra passa a estar tudo mal. Há ainda quem considere que o problema é sempre dos outros, continuando orgulhosamente só, com a inabalável certeza que são os únicos portadores do bastião da razão.

Neste aspeto, pelo menos, a Oposição não muda. Não há ressabiamentos, não há surpresas, não há conluios. É tudo preto ou branco. A esquerda não se junta com a direita e vice-versa. Pelo menos por enquanto, uma vez que já houve ensaios de algumas partes para inverter esta tendência histórica. Depende agora do que estiver em cima da mesa, da tal gula de quem está sentado em lugar com fartura.

A amargura de quem sente uma alegada ingratidão é difícil de contrariar. E nem vale a pena tentar. Esquecem-se que aqueles que agora acusam e ofendem são os mesmos que lhes deram espaço para exercer as suas funções. Mas também se olvidam que são cada vez menos os que aplaudem os extremistas ou que premeiam aqueles que se aproveitam da insatisfação dos outros.

Em boa hora veio o Bispo do Funchal, Nuno Brás, alertar para as “armas desonestas” utilizadas pelos politicamente insatisfeitos. Não são mais do que antes. Também não serão menos. Mas na falta de argumentário capaz de cativar os eleitores, apresentam denúncias que são amplificadas por investigações judiciais que se tornam autênticos fenómenos mediáticos.

Está mais do que na hora de ressuscitar os princípios democráticos, assentes da defesa dos interesses dos cidadãos e não na devassa pública dos adversários. Parece estar na moda querer ganhar por falta de comparência do adversário. E o mérito?

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