Quando a rádio era o Mundo

Na minha infância, a rádio não era apenas um aparelho em casa – era uma companhia. Nesse tempo não havia FM era tudo em Onda Média ou Onda Curta. Não havia muitas opções: na minha casa só conseguíamos sintonizar estações de rádio nacionais, e às vezes, nem isso, porque o sinal falhava. Era necessário uma antena e um fio de ligação à terra. No norte era assim.

As antenas eram improvisadas. Um poste de cada lado, que podia ser uma vara de madeira comprida, um fio bem esticado e amarrado, para que a rádio pudesse ser ouvida sem falhas. Uma estrutura que ainda tinha alguma envergadura.

Cada truque valia a pena para garantir que a voz da rádio fosse captada nas melhores condições.

Onde se ouvia a rádio, ela ditava o ritmo dos nossos dias. Os rádios fixos ficavam ligados o dia inteiro — na cozinha, na loja, na mercearia, nos bares, no quintal. Nas redondezas alguns vizinhos colocavam a rádio a tocar com volume bem alto que se ouvia à distância.

Por vezes, ouvia-se uma vizinha cantar ao som da música que vinha da rádio, como se a canção se fundisse com o ritmo da vida na zona.

Nas zonas rurais, devido às dificuldades de transmissão os rádios portáteis eram pouco usados. Precisavam da tal antena sempre ligada.

Só muito mais tarde chegava ao norte alguns emissores que passaram a possibilitar a audição em transístores.

Na minha casa, tínhamos um rádio de válvulas Philips. Tinha apenas Onda Média, não tinha FM. Mas, para nós, era tudo o que precisávamos. Transmitia vozes e sons que chegavam de longe. Lembro-me da Emissora Nacional e da Rádio Comercial.

Foi através da rádio que soube da existência do 25 de Abril. O meu pai, intrigado, apenas comentou: “houve qualquer coisa em Lisboa… está a dar na rádio.” A rádio era a nossa janela para o mundo, o fio invisível que nos trazia notícias, mudanças e revoluções.

Os relatos de futebol eram seguidos com atenção e emoção. As vozes dos locutores transformavam cada jogada numa cena épica, como se o jogo estivesse a ser disputado ali, diante dos nossos olhos. O programa de humor na rádio comercial, “Os Parodiantes de Lisboa”, fazia-me rir a cada piada. Personagens como o “inspetor ventoinha” ficaram gravadas na memória, proporcionando boas gargalhadas.

Não era uma prática na minha casa, mas a música pedida, embora tenha surgido mais tarde, era um dos momentos mais aguardados. Na vizinhança era frequente ouvir-se. Para ouvir uma canção especial, era preciso pagar e esperar. E como se esperava! Era um pequeno luxo que fazia parte do ritual de quem vivia com a rádio.

Os passatempos da rádio eram igualmente uma parte importante daquele universo.

O tempo passou e a forma de ouvir música mudou. Já não é preciso pagar para fazer um pedido nem esperar dias para ouvir uma canção especial. A rádio já não reina sozinha, e a música chega-nos por outros meios. Mas há algo que não muda: certos sons não se perdem — ficam gravados no tempo.

Hoje, ao ouvir uma canção ou outra somos transportados no tempo. Recuamos com alguma nostalgia a marcas da juventude. Aquela companhia que, mesmo sem imagem, nos fazia sentir parte de algo maior. A rádio, em Santana, era mais do que um aparelho: era como um amigo que nos contava histórias, nos fazia rir e, acima de tudo, nos fazia sentir em casa.

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