É por todos sobejamente conhecida e reconhecida a problemática da habitação. Não há como escamotear a verdade. As casas deixaram de ser um simples teto sob o qual passávamos o tempo pós-laboral, para ser um negócio. Sim, antigamente as pessoas tinham a sua casa. Alguns, poucos, tinham duas. Uma para a semana e outra, normalmente afastada da primeira, para o fim de semana. Outros, em menos número ainda, tinham três ou quatro. Porventura para os dias pares e ímpares. Para os dias de sol e chuva. Sei lá. Não faço ideia. Tinham porque sim. Mas não faziam dinheiro com isso. Na melhor das hipóteses emprestavam-nas aos amigos que tinham a lata de as pedir…
Talvez cansados desses “abusos”, surgiu a ideia de começar a lucrar com esses “jeitinhos”. Eis que surgiu o mercado de arrendamento. Quem quisesse passar uns dias, meses ou anos no que não era deles, tinha de pagar! Pronto. Parece-me justo. Ninguém é obrigado a abrir a porta de casa de borla. Era só o que faltava…
Porém, a certa altura, esse “negócio” deixou de ser rentável. O que os senhorios ganhavam com isso era uma pequena amostra daquilo que podiam fazer alugando o imóvel à semana ou até ao dia. À hora também já existe, mas tem outro nome e finalidade que, para já, não interessa para nada. Continuando, para além dos lucros incomparavelmente maiores, tinham também a vantagem de não terem de andar a pedinchar a renda no final do mês aos inquilinos mais “esquecidos”! Descobriram a pólvora. Pólvora essa a que deram o pomposo nome de Alojamento Local. Ou AL se preferirem. AL de ALbuquerque, sim, mas isso foi só coincidência. Não foi de ALberto João porque não calhou.
Este súbito interesse pela concorrência à hotelaria levou a uma coisa muito simples… À corrida aos imóveis (novos ou usados) e, concomitantemente com o despertar do interesse dos estrangeiros pela pérola do Atlântico, à subida dos preços dos mesmos. É o mercado a funcionar, dizem. A famosa lei da oferta e da procura na sua mais pura e dura exibição. E eu não contesto! É o que é.
Só que tal fenómeno atingiu níveis tão estratosféricos que já há quem tenha sido posto fora de casa. Sim, quem durma na rua! Prova disso é uma família que o JM encontrou e que só não dorme na rua porque tem um carro. Ah pois é! De repente levantou-se uma onda de indignação. Juro. E desengane-se quem achar que foi pela hipotética nova vaga de crise no habitáculo. Foi antes pelo facto desse agregado familiar passar as noites no seu bólide. Nada mais nada menos que um Mercedes aparentemente recente. E depois? Qual é o mal? É ou não é preferível passar as noites num automóvel com pintura metalizada, estofos aquecidos e em pele, acabamentos interiores com brilho e luz, jantes em liga leve, vidros traseiros escurecidos, sistema de som avançado, assistente de ângulo morto, ar condicionado automático, faróis led e eu sei lá mais o quê, do que passá-las num charuto qualquer de 1990 que nem os vidros elétricos funcionam? É pois. Por isso é que todos sabemos que primeiro se investe num bom carro, para então depois se pensar numa casa. Casa quem tem que dar é o Governo. Agora que escrevo isto, até escrevo mais… Até o carro devia ser dado por “eles”. A gente só se devia ter de preocupar com telemóveis de última geração e smart tvs. E relógios de marca, vá. O resto devia ser obrigação do Estado. “Ao que se desconta”! Mas também vos digo uma coisa… Se esta família quiser encontrar um lar depressa, só tem uma coisa a fazer. Arranjar um animal de estimação. Bem, na verdade não sei se resultaria para os 4. Mas que o bichinho estava safo, lá isso estava.
Sei que com isto vou ser, e justamente diga-se, apelidado de privilegiado. Fui e sou. E agradeço todos os dias por isso! Mas não ando aqui a dormir, como muitos pensam. Tratei de comprar um carro para cada um dos habitantes da minha atual morada (na qual fiz benfeitorias incalculáveis e me esforço por mantê-lo livre de ocupas sem serem os meus queridos filhos) e, como se não bastasse, garanti na assembleia geral de condóminos que o Alojamento Local não é permitido em todo o edifício. Sim, porque hoje o dono é meu amigo, mas amanhã não sei. Bem, na verdade não é só meu amigo. Também é, por sorte, meu pai.
Ufa. Agora é só tratar de arranjar 2 ou 3 metros quadrados 7 palmos abaixo da terra. Parece que não, mas estou com um feeling que é lá que vou passar mais tempo do que por aqui…
Pedro Nunes escreve ao domingo, todas as semanas.