Ai de ti, meu filho!

Ai de ti, filho querido, que serás amaldiçoado para todo o sempre, se te levantares contra o pai ou contra a mãe na tua fúria de animal indomável. É bom que te aquietes; que honres o teu pai e a tua mãe para que recebas as boas bênçãos que Deus tem tão bem guardadas para ti. De outra forma, serás maldito para toda a eternidade e os teus dias serão de sombra e viverás de costas viradas para a luz.” Este discurso de meu pai, palavras antigas, ouvidas não sei a quem, proferido como lição e como sentença, sempre ecoou fundo no meu coração e penso que também nas criaturas da minha geração. Só que chega uma fase em que a gente cresce e tem cá umas ideias que põem o pai e a mãe a andar com a cabeça à roda. Pois! Comigo aconteceu, quando eu tive de ser adulta e largar para trás as minhas coisas de criança. Como era que eu, adolescente, tinha de ser mãe de minha mãe que de repente estava paralisada, sem sequer ser capaz de lavar os dentes por si? Ela, que me punha o colgate na escova, para eu não perder tempo com inutilidades e chegar cedo à escola! Ela, que deixou que eu me enchesse de sonhos aos montões e que agora me obrigava entre aspas a me despejar deles, ou guardá-los não sei onde, ou atirá-los para o ribeiro ou sei lá para que lugar. O que podia eu fazer com os meus sonhos se eu via à minha frente uma vida de sombras e de tormento? Depois do grande desgosto, revoltei-me contra Deus e contra tudo. Certamente eu não era aquela boa filha e tinha recebido aquele fardo, porque era maldita e seria amaldiçoada para todo o sempre. Uma depressão! Queixava-me da minha má sorte e fazia as coisas de má vontade. Até que meu pai me meteu nos eixos com bofetadas sem mão, como quando no dia em que ele foi comigo, no meu Renault QH – 93 – 92 numa volta importante da minha vida. Meu pai ia, para me ajudar, ao meu lado, sempre muito calmo, mas quando chegámos ao destino, ele começou a dar instruções, faz assim e faz assado e eu ia muito rápido e ele dizia “vai mais devagar, para veres com tempo onde vais parar o carro” e eu, nada! Dei voltas e voltas e acabei por estacionar lá em baixo ao pé de uma levada. Não deixei meu pai ir comigo me ajudar a tratar do problema, porque estava para o diabo me levar com as lições dele. Quando voltei ao carro, meu pai tinha-mo lavado por dentro e por fora, aproveitando a aguinha da tal levada, e sorria, como só o nosso pai sabe sorrir para nós, mesmo que estejamos rabugentas. Acho que foi aí que eu cresci, no sentido metafórico da palavra, claro, e deixei de ser criança impertinente e mimada. Os velhos sabem muito e temos de aprender com eles! Estava decidido! Vou ser outra! E assim voltámos os dois felizes e contentes para o pé da nossa mãezinha! O tempo da adolescência é cheio de energia, mas não vale a pena teimar em prolongá-lo, porque crescer também tem os seus encantos e é bom que saibamos largar para trás o tempo que já não é nosso e assumir o nosso ser maior para honrarmos o nosso pai e a nossa mãe que muito sofreram para nos porem do tamanho de uma banca da cozinha.

E agora para se ver que não se deve esquecer dos ensinamentos do pai e da mãe, vou contar o meu último passo de choné. Ora, aqui há tempos, quando eu fui ao “telheiro” buscar semilhas para o almoço, algumas já estavam greladas. Era uma consciência desperdiçá-las e então fiz como meu pai fazia, cortei-as aos cubos e fui ao poio plantá-las, mas nunca mais me lembrei da minha plantação. Dias depois, voltei ao poio buscar ervinhas de chá e vi, o que eu pensava ser, uns pés de erva rija. Fui logo arrancá-los para não alastrar. Cá nada! Penduradas à raiz vinham, como cachos, as minhas semilhinhas do tamanho de ovinhos de codorniz. Fiquei com tanta pena que até de noite sonhei com meu pai a me dizer: “Eu devia era te dar uma cracada na cabeça para aprenderes que tudo o que plantares tens de cuidar!” Pois está certo! Quem se atreve a desdizer o pai?

Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.

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