Porquê uma Feira do Livro?

Porque emociona, será a primeira e intuitiva resposta. Porque passear pelo meio dos livros é como acalentar a possibilidade de abrir portas e entrar em casas, algumas esquecidas, outras acabadinhas de fazer, a cheirar a novo, e conhecer quartos e salas com o coração que salta com a vontade de descobrir histórias, os outros, os mistérios. Mas, uma Feira ou Festival do Livro representa também para a cidade uma forma privilegiada de relacionar-se com o território, abrindo modelos diferentes de criar atividades e estabelecer caminhos de desenvolvimento.

É por isso que é tão importante vermos o Funchal transformar-se nos dias da Feira, a que este ano se junta o Colóquio de Literatura Madeirense, com organização da Direção Regional dos Arquivos, das Bibliotecas e do Livro (DRABL) e do Departamento de Cultura da Câmara Municipal do Funchal (CMF). Representa, no fundo, como que um instantâneo da mudança, dando lugar à cultura e às artes num momento em que, fazendo protagonistas o livro, a música e o teatro, a cidade pode respirar ao ritmo do coração e não dos vídeos das redes sociais, demasiado rápidos, efémeros e de consumo. A cultura e as artes provocam, requerem reflexão e convidam-nos a parar.

A Feira do Livro do Funchal tem-se vindo a distinguir pelas suas características multifacetadas, mas sempre centrada num foco definido. Não é direcionada para um único artista, produto ou celebração específica, mas abraça uma gama ampla de elementos culturais e artísticos, acolhendo a multiplicidade no seu interior. Inclui concertos, apresentações de livros, exibições, conferências e muito mais, sendo cada um dos quais especial e único à sua maneira, mas coordenados numa estrutura de significado determinado. De facto, no interior da diversidade, o festival define a sua identidade e apresenta-se na forma exclusiva de fazer da cultura e da arte parte do quotidiano.

Numa época em que necessitamos urgentemente de cultura, de memória, de história e de histórias, para fazer face a uma ignorância que ameaça transformar as nossas vidas em moeda fraca de interesses e de conflitos, a Feira lembra-nos que somos humanos. E traz ao Funchal participantes que compreendem que a Madeira é mais do que a fotografia das férias ao sol, é um lugar em que se pensa, se faz música, teatro e se lê, é espaço de multiplicação conhecimentos. A dádiva da Feira à Região é igualmente mostrar que se pode fazer deste lugar um espaço de turismo cultural, chamando, como o faz Óbidos, os que se deslocam para ouvir autores, músicos e atores. São geralmente turistas “slow”, preocupados com o ambiente, com mais possibilidades económicas, conscientes da pegada ecológica, apreciadores das manifestações culturais tradicionais e da gastronomia.

No fundo, está de acordo com uma progressiva mudança de paradigma que tem vindo a ser implementada na Europa e que liga o desenvolvimento social e económico a um crescente interesse pelo valor estratégico da cultura e da criatividade como fatores decisivos para uma nova política de inovação, qualidade, bem-estar e sustentabilidade. A cultura é hoje um tema central no debate sobre os fatores que sustentam o desenvolvimento, os sistemas de produção e emprego, numa atenção crescente para o papel das indústrias culturais e criativas na transição de uma economia industrial para uma economia pós-industrial.

Estrategicamente, no interior do sistema socioeconómico, a produção cultural deve ser considerada um setor economicamente importante, mas, para isso, deve ser avaliado como os outros e com os mesmos instrumentos de medição. Daí que seja necessário explorar a dimensão do impacto económico dos eventos culturais do ponto de vista da geração de trabalho, de benefícios económicos e das receitas e do impacto no sistema económico local.

Se as manifestações culturais proporcionam um contributo significativo para o desenvolvimento económico e de emprego dos territórios onde se localizam, talvez o seu objetivo maior seja, no entanto, e sempre, serem veículos de mudança das mentalidades, abertura ao mundo e preparação para enfrentar uma conjuntura que nos coloca mais perguntas do que respostas, que nos provoca mais ansiedades do que certezas, e, para isso, precisamos das artes, únicas capazes de nos ajudar a decifrar o que nos rodeia e a agir em nossa defesa. Um obrigada à Feira do Livro e a quem anos após anos traz o universo à cidade.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *