O recente “escândalo” que envolveu o Primeiro-Ministro Luís Montenegro e a empresa da sua família, a Spinumviva, sublinha uma falha sistémica na governação de Portugal: a incapacidade de separar eficazmente o poder político do património privado. A causa é clara: Portugal não reconhece totalmente os trusts (nas suas mais diversas configurações). Esta posição desactualizada obriga os políticos a transferências de bens complicadas e a estruturas legais duvidosas, conduzindo a crises éticas que corroem a confiança do eleitorado.
A solução é simples: Portugal tem de integrar plenamente os trusts no seu ordenamento jurídico, permitindo a criação de blind trusts. Um blind trust é uma estrutura fiduciária em que um indivíduo (settlor) coloca os seus bens sob o controlo de um administrador fiduciário independente (trustee), este último não está filiado, associado, relacionado ou sujeito ao controlo ou influência do settlor ou dos beneficiários do trust (que pode incluir o settlor ou outros beneficiários nomeados por este). Este sistema, amplamente utilizado nos EUA, garante que os políticos não podem tomar decisões sobre a gestão, aquisição ou alienação do seu património. Trata-se de uma salvaguarda necessária nas democracias modernas.
Se Portugal reconhecesse plenamente os trusts (Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Trusts e sobre o seu Reconhecimento), poderia impor a constituição blind trust para os detentores de cargos políticos eleitos e para os funcionários públicos de topo, assegurando a transparência e atenuando a perceção de auto-negociação. Num país onde as elites económicas e políticas se sobrepõem frequentemente, uma reforma deste tipo seria um fator de mudança.
Mais, a ausência de um quadro legal robusto sobre os trusts não se limita a criar armadilhas éticas – também desencoraja os empreendedores de entrarem na política. Não se pode esperar que os políticos portugueses sejam apenas e só “religiosos enclausurados”, funcionários públicos ou funcionários partidários. Numa Democracia moderna, os indivíduos com experiência no sector privado devem ser encorajados, e não penalizados, a candidatarem-se a cargos públicos. O atual sistema português incentiva os políticos a entrar em zonas cinzentas do ponto de vista ético.
Outras jurisdições de direito civil já adotaram os trusts com grande sucesso. Países Baixos, Itália, Liechtenstein e Malta incorporaram perfeitamente os trusts nos seus enquadramentos legais, proporcionando uma maior flexibilidade na gestão do património, e consequentemente atraindo receita fiscal e criação de postos de trabalho. A recusa de Portugal em seguir o exemplo coloca-o em desvantagem competitiva, tanto em termos de ética política como de atratividade económica. Reconhecer os trusts não significa abraçar a opacidade patrimonial sem controlo. Pelo contrário, permite uma regulamentação mais clara e uma maior responsabilização. Ao implementar um quadro transparente para os trusts, Portugal pode dar um passo decisivo para evitar escândalos futuros, ao mesmo tempo que promove uma cultura política em que o património familiar não é uma vantagem sem controlo.
Assim, compete à classe política (da Esquerda à Direita) abandonar as restrições legislativas ultrapassadas e reconhecer plenamente os trusts. Ao fazê-lo, poderá exigir blind trusts para os políticos, garantindo uma governação mais ética e permitindo que os seus líderes preservem o seu património de forma justa e transparente. Qualquer outra coisa é um convite a mais escândalos e à desilusão do eleitorado.