Hoje, Dia do Pai, Dia de São José, lembrei-me de um pai, que fez muito pelas mulheres do nosso país. O pai de Ana de Castro Osório, o juiz João Baptista de Castro. Sobre ele, mas sobretudo sobre a filha, muito escrevi na minha Tese de Doutoramento, na qual fui orientada por uma grande senhora historiadora e mestre, de Coimbra, a Professora Doutora Irene Vaquinhas. Ela, também uma fonte inesgotável de inspiração. Na obra, posteriormente publicada, “Olhares Cruzados Sobre o(s) Feminismo(s) e a Educação Feminina em Portugal e no Brasil nos Alvores do Século XX”, privilegiou-se o estudo das relações culturais entre Portugal e o Brasil, no campo específico dos estudos femininos. Os feminismos continuam a precisar de uma memória histórica, plural, nos campos social, cultural, jurídico, religioso e político.
O debate sufragista chegou a Portugal e ao Brasil em tempos diferentes, numa altura em que nos restantes países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América era uma questão já consolidada. Os motivos desse atraso cívico estão direta e indiretamente relacionados com o atraso industrial, as elevadas taxas de analfabetismo (maior nas mulheres), bem como o peso da Igreja Católica, que se fazia sentir quer nos Estados, quer na própria vida privada.
Nos primeiros tempos da República, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas lutava pela concessão do direito de voto das mulheres, e existem documentos, em arquivos portugueses, que dão conta de que houve até quem preconizasse o serviço militar obrigatório para ambos os sexos. Deste grupo de mulheres organizadas que constituiu a Liga, saiu um outro, a Associação de Propaganda Feminista, que deu continuidade ao trabalho de promoção da emancipação feminina, elevando a condição social da mulher portuguesa através de dois pilares fundamentais: a educação e a instrução.
A Associação de Propaganda Feminista, fundada em 12 de maio de 1911, por Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, Maria Irene Zuzarte, Maria Laura Monteiro Torres e Rita Dantas Machado, entre outras, nasce das divergências surgidas na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, potenciadas pela questão do sufrágio feminino. Tendo em conta a nova lei eleitoral da República, publicada em 14 de março de 1911 – que concedia o voto a todos os cidadãos portugueses, maiores de 21 anos, chefes de família que soubessem ler e escrever – as feministas, embora desiludidas por a lei não explicitar o voto feminino, decidiram aproveitar a ambiguidade da mesma e, considerando-se cidadãs de pleno direito, algumas decidiram requerer o seu recenseamento nas listas eleitorais. Perante as dificuldades levantadas pela Comissão Eleitoral e a resposta negativa do Ministro do Interior, António José de Almeida, chamado a esclarecer a omissão legislativa no que respeitava ao sufrágio feminino, todas as mulheres desistiram da sua pretensão, exceto uma: Carolina Beatriz Ângelo. Médica de profissão, viúva, e mãe de uma filha menor, solicita o seu ingresso nos cadernos eleitorais, é inscrita como votante e vota efetivamente nas eleições de 1911 (eleição dos deputados para a Assembleia Constituinte). O direito de voto foi assegurado a Carolina Beatriz Ângelo pelo juiz João Baptista de Castro, pai de Ana de Castro Osório. Um acérrimo defensor das pretensões das feministas, o que de resto está patente no acórdão da sentença proferida no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, tal como se pode constatar: «[…]Considerando que o legislador, se quisesse excluir as mulheres do recenseamento eleitoral expressamente o podia e devia dizer tapando a porta que havia aberto com tanta franqueza e justiça; considerando que o legislador da última república proclamada no Mundo, correcta e dignamente se colocou a par dos governos mais civilizados, como alguns da América, Austrália e Escandinávia, verdadeiros precursores na cruzada da civilização; […] Julgo procedente e provada a presente reclamação e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral em preparação no lugar e com os requisitos precisos. Intime-se». Deste modo, Carolina Beatriz Ângelo torna-se a primeira mulher eleitora em Portugal e na Europa do Sul. Contudo, a lei eleitoral de 1913 volta a negar às mulheres o direito de voto que só muito mais tarde, já em pleno Estado Novo, lhe seria concedido, embora de forma muito limitada.
No próximo domingo, 23, dez meses depois das últimas eleições antecipadas, vamos, de novo, a votos. Mulheres da minha terra, honremos a memória de todas as mulheres que tanto batalharam para nos assegurar o direito ao voto. Não deixem que decidam por nós. Pela estabilidade, pelas nossas famílias e pelos nossos filhos. Vamos votar pela nossa Madeira.
Feliz Dia do Pai.