Ana Paula foi despejada e teme que lhe tirem o filho que está prestes a ter

Ana Paula foi despejada e vive atualmente numa pensão da Segurança Social em Lisboa, mas teme que lhe tirem o filho que está prestes a ter, um receio que outras pessoas sem casa têm relatado às associações no terreno.

O caso de Ana Paula dos Santos vinha referido num comunicado que na quinta-feira deu a conhecer uma petição, assinada por mais de 1.000 pessoas e 59 coletivos, que denuncia a retirada de crianças a famílias que não conseguem ter acesso à habitação.

À porta da maternidade onde tem cesariana marcada para terça-feira, a mulher são-tomense de 38 anos, mãe de três filhas (18, 9 e 4 anos), partilha com a Lusa a sua história, numa mistura de alegria – por estar grávida de um menino, que se vai chamar Heitor – e de tristeza, pela pressão que tem sentido da parte das assistentes sociais para arranjar uma casa.

“O hospital praticamente me diz, porque eu não tenho uma morada, que, quando eu tiver o meu menino, se não tiver morada, ele não sairá do hospital. Ainda no dia 10, a Segurança Social falou que tenho oito dias, no máximo, para conseguir casa, que é uma coisa que não existe”, relata.

Há oito anos em Portugal, Ana Paula já foi inquilina de papel passado. Por uma casa pequena, com baratas e humidade, pagava 410 euros, quase metade do salário mínimo que recebe enquanto auxiliar efetiva no lar de idosos onde trabalha. Mas depois a renda aumentou e tornou-se incomportável: “Se quem tem dinheiro na mão não está conseguindo alugar uma casa, imagina eu”.

Optou por se juntar a pessoas conhecidas que vivem no Talude Militar, bairro autoconstruído no concelho de Loures, onde a câmara local tem feito demolições e despejos regulares.

Ana Paula construiu aí a sua casa, “uma barraca” no entendimento da Câmara de Loures, que, com “um aviso de 48 horas”, a mandou demolir, em 24 de setembro do ano passado.

Começou aí “uma vida terrível”. Chamada à Casa da Cultura de Sacavém, foi-lhe indicada uma pensão pela Segurança Social, no centro de Lisboa, apesar de as três filhas estudarem em escolas de Loures.

Na pensão, “não se pode cozinhar, é só para dormir”, conta. Umas vezes comem no chão do quarto, outras vezes fora, fazendo uma alimentação que “não é saudável”, mais ainda para quem tem diabetes gestacional. Além disso, “estão sempre a chamar atenção” por as crianças fazerem barulho.

Mas não é só disso que se queixa. Ana Paula vive sob “aperto” e “exigência”. Sente-se pressionada para conseguir uma casa. As assistentes sociais dão-lhe oito dias, quinze dias. Lembram-na que não pode ficar ali “o resto da vida”, como se fosse essa a sua vontade: “Não desejo para ninguém viver numa pensão”.

Ana Paula tem procurado casa, mas “está difícil”. As rendas chegam a ultrapassar os mil e há que avançar com três meses, ter um fiador português, “esses protocolos todos”.

Além disso, ao telefone os senhorios vão detetar “o sotaque de uma pessoa africana” e as casas ficam subitamente indisponíveis. Por email, quando diz que é ela e quatro crianças, “já não respondem mais”.

Da Câmara de Loures nunca recebeu ajuda, nem para saber a que apoios podia recorrer. “Só apareceram lá, colocaram o papel [do aviso de despejo] e partiram a casa”, relata.

Só no centro de saúde onde é seguida soube que podia inscrever-se para obter uma casa social – o que já fez.

Ana Paula vai à consulta na maternidade com Maria João Costa, da associação Habita!, um dos coletivos signatários da petição divulgada na quinta-feira, exigindo “soluções habitacionais em vez de ameaças”.

Os peticionários pedem ao Estado “que acabe este modo de verdadeira perseguição às famílias, às mulheres que perdem a casa” e “um programa de apoio a famílias vulneráveis, quando sofrem um despejo ou não têm casa”.

O relato de Ana Paula é só “um exemplo” do que está a acontecer com “muitas mulheres, sobretudo mulheres”, que estão a ser “ameaçadas de perderem a tutela dos filhos caso não tenham uma casa”, conta Maria João.

“Toda a gente sabe qual é a crise de habitação em que estamos. Está tudo preocupado porque pessoas de classe média não conseguem aceder a uma casa. Já toda a gente se esqueceu que uma grande maioria não é classe média, é salário mínimo, e que essas pessoas estão completamente barradas de conseguir uma casa”, recorda a ativista.

“Ocupação, autoconstrução e sobrelotação” são as possibilidades que restam a essa camada mais vulnerável. “Uma coisa que seguramente está a aumentar é a autoconstrução. Porque as pessoas têm de viver nalgum lado, não é? Não podem simplesmente agarrar nas famílias e ir viver para debaixo da ponte”, assinala.

Ana Paula já está avisada: após o parto, não poderá voltar à pensão. “É uma unidade hoteleira, um lugar de muito risco, e o bebé lá não pode estar”, disse-lhe a assistente social.

Inicialmente, nem as três filhas poderiam lá ficar durante o tempo que passar na maternidade, apesar de uma delas ser maior de idade, mas essa autorização chegou há dias.

Na terça-feira, Ana Paula terá tirado todas as suas coisas da pensão quando sair para a maternidade, onde uma cesariana a obrigará a descansar: “Desde que me partiram a casa eu não tenho repouso, vivo uma vida que ninguém merece viver”.

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