Os dias de outros tempos

Nos tempos que correm, há dias para tudo, mas nem sempre foi assim.

Na minha infância, nomeadamente em Santana, o calendário tinha outro peso. Os dias não vinham carregados de apelos comerciais nem de campanhas coloridas a lembrar-nos que devíamos comprar isto ou aquilo. Não havia anúncios a gritar pelas nossas emoções nem montras decoradas para nos convencer a celebrar. A vertente comercial estava muito longe do que é agora. As datas passavam de forma simples, sem a agitação que hoje lhes é atribuída.

Nunca ouvi falar do Dia da Mulher quando era criança. Se existia, ninguém o mencionava. As mulheres trabalhavam todos os dias do ano, sem esperarem flores ou elogios. Eram mães que cuidavam de tudo, eram filhas que aprendiam desde cedo a ajudar, eram vizinhas que se apoiavam mutuamente.

As mulheres que conheci na minha infância não esperavam homenagens. Havia nelas uma dignidade silenciosa, uma força que se manifestava na forma como enfrentavam o cansaço. Não se queixavam.

Naqueles tempos, não se falava do Dia da Criança, nem do Dia de São Valentim, muito menos do Dia das Bruxas, o Halloween. O Dia do Pai e o Dia da Mãe existiam, mas não se fazia grandes celebrações. Não havia presentes caros, nem se viam campanhas publicitárias a lembrar essas datas. Os avós não precisavam de um dia especial para serem lembrados.

O Dia do Trabalhador ou 1.º de Maio ganhou outro significado depois do 25 de Abril. Lembro-me bem dos primeiros anos em que a data se tornou feriado. Havia uma sensação nova de liberdade no ar. Em Santana, as manifestações eram mais na vertente desportiva com jogos de futebol entre solteiros e casados e com algumas provas de atletismo.

Mas havia o que realmente importava. O Carnaval, a Páscoa, a Festa da Padroeira de Santana (Santa Ana) e o Natal – esses sim, marcavam o ritmo da vida. O Carnaval em Santana quase que tinha o nome de Festa dos Compadres. Eram dias bem assinalados.

Os dias mais assinalados eram os dias festivos como as festas da padroeira, a Páscoa, e o Natal.

A Semana Santa era vivida com respeito e recolhimento. A Sexta-feira Santa, em particular, carregava um significado profundo. Era dia de jejum. Não se comia carne, e esse gesto simples trazia consigo um silêncio que invadia a alma. Nesse dia ninguém trabalhava. A Páscoa passava também pelas amêndoas pelos tremoços e pelos jogos do “balamento”.

Natal, esse, tinha um sabor diferente. Os dias 25 e 26 eram sagrados. Tudo o que era atividade comercial encerrava nesses dias. Eram dias para a família, para estar em casa. Tudo parava. Havia um respeito quase solene pelo tempo que se vivia. Ninguém sentia necessidade de ter negócios abertos porque o que realmente importava estava ali: a mesa simples, a companhia dos nossos, o calor de uma casa que nos acolhia.

O Dia de Todos os Santos (1 de novembro), esse sim, deixava uma marca no coração porque implicava recordar entes queridos e passar pelo cemitério.

Naqueles tempos, os dias não precisavam de etiquetas para serem importantes. Viviam-se com simplicidade, com um respeito genuíno pelas tradições e pelas pessoas.

Hoje, há um Dia Mundial para tudo. De repente, cada causa, cada ideia, cada sentimento parece precisar de uma data no calendário. Talvez faça sentido. Não coloco isso em causa. Mas, reforço que as coisas, as datas importantes não precisam de uma data marcada para existirem – vivem-se, simplesmente.

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