RDCongo: Uma mulher violada a cada quatro minutos

As Nações Unidas alertaram hoje para a violência sexual na República Democrática do Congo (RDCongo), onde uma mulher é violada “a cada quatro minutos”, enquanto “dezenas de milhares de mulheres e raparigas lutam” por acesso a cuidados de emergência.

Em comunicado de imprensa, a ONU News aponta para situações de “contracetivos saqueados, centros de saúde danificados e fornecimentos de ajuda a esgotarem-se”.

“À medida que a violência sexual prolifera no leste da República Democrática do Congo, dezenas de milhares de mulheres e raparigas lutam para ter acesso aos cuidados de emergência de que necessitam desesperadamente”, refere o documento, apontando para números “chocantes”.

Segundo a ONU, assiste-se a “cerca de 900 violações no leste da RDCongo no espaço de duas semanas – uma média de 60 por dia”.

“Esta é a dimensão do fenómeno observado durante a primeira quinzena de fevereiro, de acordo com os dados recolhidos no terreno por trabalhadores humanitários e divulgados na segunda-feira pela agência das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR)”, acrescenta.

De acordo com o comunicado, “mesmo antes da ofensiva militar lançada no início do ano pelos rebeldes do M23, com o apoio do exército ruandês, no Kivu do Norte e no Kivu do Sul, as duas províncias já registavam um aumento alarmante da violência sexual”.

Em 2023, terão sido registados 123.000 casos de violência sexual em toda a RDCongo, mais de 70% dos quais no Leste do país, segundo os serviços das Nações Unidas.

“É uma mulher violada a cada quatro minutos”, diz Mady Biaye, o principal representante na RDCongo da agência das Nações Unidas para a saúde sexual e reprodutiva (UNFPA), numa entrevista à UN Info.

A persistência de conflitos ligados à exploração dos recursos naturais nas províncias do Leste da RDCongo, ricas em minerais, explica em grande parte o recurso sistemático à violência sexual, muitas vezes utilizada como arma de guerra por grupos armados como o M23, na sua luta pelo controlo dos territórios, sublinha o documento hoje divulgado.

“É uma forma, por exemplo, de dominar ou destruir o tecido familiar e comunitário para reclamar terras”, explica Mady Biaye, que trabalha nestas questões há mais de 20 anos, com missões no Senegal, Guiné Equatorial, Angola e, desde o ano passado, na RDCongo.

Na sua opinião, a utilização de mulheres e raparigas é exacerbada pelos consideráveis interesses económicos em jogo e pela presença de atores externos envolvidos em lutas de influência, muitas vezes com uma dimensão étnica.

“Há gerações que só conheceram esta situação”, observa, acrescentando: “há mais de 30 anos que andamos a falar disto, 30 anos é muito tempo.

Para as Nações Unidas, as repercussões a curto e longo prazo para os sobreviventes vão desde a transmissão de doenças infecciosas, como o VIH, a gravidezes indesejadas.

Além destas lesões físicas, existem também lesões psicológicas que, segundo a diretora do FNUAP, parecem ser irreversíveis, como a depressão e os sintomas de stress pós-traumático.

Na RDCongo, o estigma social também aumenta o fardo das sobreviventes, que são frequentemente excluídas das suas comunidades.

Em muitos casos, a rejeição das mulheres que sofreram violência sexual é acompanhada de insegurança económica. Para sobreviver, algumas delas recorrem à exploração sexual em bordéis, explica o representante do UNFPA.

Entretanto, a agência está a debater-se também com constrangimentos financeiros.

“Na RDCongo, transportar os produtos dos pontos de entrada para os vários pontos de abastecimento, até ao último quilómetro, custa cerca de 45% do preço de compra”, explica Biaye, que refere o impacto da decisão dos Estados Unidos, de suspender quase todos os programas de ajuda externa ao país durante três meses.

De acordo com Biaye, a administração americana deveria inicialmente contribuir com 10 milhões de dólares em 2025 para a compra de contracetivos na RDCongo. “Mas tudo isso parou”, lamenta.

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