O pêndulo da história

Depois do intermezzo da administração Biden, eis que a Europa volta a entrar na contínua onda de choque depois de cada “post”, cada ordem executiva e cada conferência de imprensa de Donald Trump, reeleito Presidente dos EUA.

Enquanto as redes sociais se divertem com as medidas aparatosas como, por exemplo, o fim das palhinhas de papel, as decisões e posições mais gravosas acabam por ficar diluídas na análise internacional.

Torna-se cada vez mais evidente a importância de uma comunicação social livre e independente, perante os algoritmos tão facilmente manobrados. O programa da MSNBC “Morning Joe” realizou uma análise de fact-checking ao recente post de Donald Trump sobre a Ucrânia. Deixo aqui alguns excertos dessa análise – “Trump vs Realidade” – para o leitor tirar a sua conclusão sobre o jogo de contorcionismo que autocracias fazem com factos:

1. Trump disse que Zelensky convenceu os EUA a gastar $350 mil milhões numa guerra que “não podia ser ganha”. Facto: Até à data de hoje, os EUA investiram $183 mil milhões na resposta ucraniana à invasão russa.

2. Trump escreve que os EUA gastaram mais ($200 mil milhões) do que toda a Europa junta. Facto: EUA investiram menos $18 mil milhões na Ucrânia do que o conjunto dos países europeus.

3. Trump alega que enquanto o retorno do investimento europeu na Ucrânia está garantido, os EUA não vão reaver qualquer verba. Facto: 70% do apoio financeiro à Ucrânia (incluindo as verbas europeias) tem sido gasto em forças americanas e armamento dos EUA.

Os mesmos que aplaudiram entusiasticamente Boris Johnson, então primeiro-ministro britânico, quando este incentivou ao esforço de guerra da Ucrânia; os que confundiam Rússia com União Soviética; os que só sabiam enaltecer a vertente “transatlântica” de Portugal (como se devêssemos viver de costas voltadas para a Europa novamente) são em muito aqueles que mais saltaram de alegria com a vitória presidencial de Trump. O mesmo Donald Trump que agora duvida publicamente da legitimidade democrática de Zelensky, mas não hesita em propor (a esse mesmo governo ucraniano) novos acordos que garantam aos EUA usufruir dos metais raros em solo ucraniano, como contrapartida negocial. É o resultado que se tem, quando as relações internacionais são conduzidas com a visão de negócios imobiliários.

Uma proposta de negócio que compete em graus de ética com o Tratado de Reconhecimento da Independência do Haiti, que a França assinou em 1825. Nesse tratado, o Haiti concordou em pagar uma indenização de 150 milhões de francos à França em troca do reconhecimento oficial de sua independência. Esse valor foi posteriormente reduzido para 90 milhões de francos em 1838, mas representou uma enorme dívida que impactou a economia haitiana por mais de um século. Esse pagamento é frequentemente citado como um dos fatores que contribuíram para os desafios económicos do Haiti até os dias de hoje. Esperemos que a Ucrânia não fique manietada no seu desenvolvimento económico futuro através da exploração mineira americana.

Na próxima segunda-feira será assinalado em Kiev o terceiro aniversário da invasão russa à Ucrânia. Diversos líderes europeus irão marcar presença, num momento em que o futuro da Ucrânia se encontra particularmente ameaçado. Muito está em jogo, num continente em que os principais blocos políticos (PPE e S&D) redesenham estratégias sobre a administração Trump e o populismo de extrema-direita. O pêndulo da história não pára, nem depende de nenhuma geografia.

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