Moçambique

Gosto muito de Moçambique! Já lá estive 6 vezes em trabalho e férias e é daqueles países que nos seduz. A sua beleza ímpar, as suas praias sublimes, a arquitectura de Maputo, com as suas largas avenidas desenhadas a régua e esquadro, a gentileza e humor do seu povo, com a sua fleuma tão característica (tão diferentes dos seus “irmãos” lusófonos de Angola), a excelência da sua gastronomia, o sabor sublime do seu marisco. E é por gostar tanto deste extraordinário país que me dói muito ver o abismo em que caiu neste cenário pós-eleitoral!

Digamos que era um desastre anunciado. A Frelimo, que governa o país desde a independência, até foi considerada a “querida dos doadores” durante algum tempo. Após o final da guerra civil em 1992, época em que o país era classificado como o mais pobre do mundo, Moçambique implementou reformas económicas e abraçou um sistema político multipartidário, que atraiu ajuda e apoio internacional substancial. O país era frequentemente citado como um modelo de recuperação e desenvolvimento pós-conflito.

No entanto, vários factores contribuíram para um substancial declínio na confiança dos doadores com o decorrer do tempo. As alegações de corrupção no seio do governo foram paulatinamente corroendo as estruturas do estado. Escândalos de alto-perfil, como o das dívidas escondidas em 2016, envolvendo figuras da elite política moçambicana, como o filho do presidente, Ndambi Guebuza, danificaram severamente a reputação do país, levando à suspensão do suporte financeiro por parte de doadores chave. Apesar de ter havido períodos de rápido crescimento do PIB, os respectivos benefícios foram distribuídos de forma desigual, com fatias muito significativas da população a viver em pobreza, em particular nas zonas rurais. Aliás, basta viajar pelo país para verificar a disparidade de desenvolvimento entre a capital, Maputo, e o resto do país, onde proliferam más estradas, péssimas infraestruturas de saúde e de ensino, falhas na distribuição de electricidade e água potável. Apesar da realização de eleições legislativas e presidenciais a cada 5 anos, as alegações de fraude perpetrada pelo partido do poder e amiúde confirmadas pelas várias missões de observação eleitoral presentes no terreno, foram minando a credibilidade da democracia moçambicana. Testemunhei pessoalmente numa província do centro do país, em eleições passadas, indícios muito significativos de fraude eleitoral, onde dezenas de mesas de voto tinham taxas de participação de 120% com resultados de 100% para o mesmo partido.

Daí termos chegado às eleições de 2024 com uma desconfiança extrema por parte da população e da sociedade civil em relação à transparência do processo eleitoral. A acreditar nos relatórios das missões de observação eleitoral, os habituais procedimentos fraudulentos perpetrados pelo partido do poder repetiram-se uma vez mais. A diferença em relação a eleições anteriores é que desta vez, com a proliferação das redes sociais, particularmente entre a população mais jovem, o partido do poder deixou de controlar a narrativa pós-eleitoral e os indícios de fraude foram de tal forma evidentes, filmados e divulgados, que a população, inspirada por um líder da oposição popular, populista e carismático, cansou-se e revoltou-se. A habitual resposta violenta do estado e das forças de segurança ao seu serviço, não tardou e rapidamente a violência descontrolou-se. Saques, assassinatos, destruição de bens públicos e privados, bloqueio de fronteiras generalizaram-se a todo o país, lançando o país para o abismo. A actividade económica paralisou, lançando milhares para o desemprego, isto num dos países que já é dos mais pobres do mundo.

O país está profundamente dividido, polarizado, a desconfiança reina, a população olha para o novo presidente e o novo governo como ilegítimos. Não sei o que acontecerá num futuro próximo, mas os augúrios não são bons!

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