Doomscrolling

Já lhe aconteceu estar na cama com a intenção de dormir, mas em vez de fechar os olhos, o ecrã brilha e o polegar desliza num movimento interminável? Desde desastres climáticos, atentados terroristas e acidentes de aviação fatais, passando pelo retrocesso democrático com a nova administração Trump, a guerra na Ucrânia e a situação insustentável no Médio Oriente, estamos continuamente absorvidos numa torrente noticiosa negativa.

É virtualmente impossível estarmos desligados. A informação atinge-nos em todas as frentes e de forma personalizada. Esta conetividade permanente acaba por originar um hábito, conhecido como Doomscrolling. De acordo com o Harvard Women’s Health Watch, este conceito (também conhecido por Doomsurfing) ganhou proeminência durante a pandemia de COVID-19 e refere-se ao ato de passar uma porção excessiva de tempo a ler notícias particularmente negativas, na Internet. Também se refere ao consumo excessivo de vídeos curtos e de conteúdos das redes sociais, durante um período de tempo excessivo e de forma ininterrupta.

Porque vivemos em constante agitação política, económica e social, o Doomscrolling enraizou-se como um hábito prejudicial ao nosso bem-estar. Um estudo de 2022, publicado na revista Health Communication, evidenciou que o consumo problemático de notícias conduz a um risco mais elevado de problemas de saúde física e mental. Um outro estudo publicado pela Be Present, concluiu que a utilização excessiva do telemóvel criava perturbações no sono e na ansiedade, sobretudo nos jovens.

O Doomscrolling também afeta a esfera laboral, estando associado à diminuição de produtividade, ao absentismo e ao burnout. Segundo a ComPsych – fornecedor de serviços de saúde mental para trabalhadores – nos dias que se seguiram à tomada de posse de Trump, registou-se um aumento significativo (33%) de pessoas que procuram ajuda. Dois estudos publicados na revista Computers in Human Behavior Reports sugerem, respetivamente, que o Doomscrolling evoca maiores níveis de ansiedade existencial e que os trabalhadores que o praticam no local de trabalho podem ficar menos empenhados nas suas tarefas profissionais. A um nível prático, este hábito pode ainda originar o Síndrome de Cérebro de Pipoca, que corresponde ao fenómeno biológico real de sentir que o cérebro está a rebentar porque estamos a ser demasiado estimulados online, dificultando o posterior envolvimento no mundo real, que se move a um ritmo muito mais lento.

Segundo Richard Mollica e Aditi Nerurkar, da Harvard Medical School, devemos criar limites digitais que possam dar ao nosso cérebro e corpo a oportunidade de recalibrar. Os especialistas recomendam adotar as seguintes estratégias: 1) mantenha o seu telemóvel fora da sua mesa de cabeceira; 2) faça o mesmo no seu espaço de trabalho; 3) não leve o telemóvel para a mesa de jantar; 4) mude o seu telemóvel para escala de cinzentos o que torna o scroll menos aliciante; 5) não receba notificações; 6) concentre-se nas notícias da comunidade local onde vive; 7) diga às pessoas que partilham histórias deprimentes e violentas que não está interessado; 8) concentre-se no que é bom; 9) fale com um médico se não conseguir parar.

Em suma, precisamos de nos manter informados, mas não à custa da nossa saúde mental. Parafraseando Angela Watercutter: “Verificar o telemóvel durante mais duas horas todas as noites não vai impedir o apocalipse – mas pode impedi-lo de estar psicologicamente preparado para ele.”

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