A comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras apresenta as primeiras conclusões de hoje a um mês, após 37 audições e sete depoimentos escritos, nos quais vários responsabilizaram o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales.
Entre 17 junho de 2024 e 24 janeiro de 2025, os deputados ouviram Lacerda Sales ser acusado de alegadamente ter interferido no pedido de marcação de consulta das crianças.
Uma das pessoas que lhes apontou responsabilidades foi a sua antiga secretária Carla Silva, que disse ter contactado, a pedido de Lacerda Sales, o Hospital Santa Maria, em Lisboa, onde as crianças foram tratadas em 2020 com um dos medicamentos mais caros do mundo.
Também a diretora do Departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria, Ana Isabel Lopes, e a neuropediatra responsável pelo tratamento das crianças, Teresa Moreno, afirmaram que o pedido de marcação de consulta em 2019 foi feito em nome de Lacerda Sales.
O antigo governante foi a primeira e a última pessoa a ser ouvida na comissão de inquérito que arrancou em maio, na sequência de um pedido potestativo do Chega.
Na primeira audição, em 17 de junho, Lacerda Sales disse que não estava disponível para “servir de bode expiatório num processo político-mediático a qualquer custo”.
Já em 24 de janeiro, negou “qualquer interferência pessoal ou política” para favorecer as crianças e confirmou que o caso foi abordado numa reunião com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República.
Nesta audição, de cerca de uma hora, o antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde foi interpelado por vários deputados, tendo-se remetido ao silêncio na maioria das vezes, após alegar o estatuto de arguido.
Lacerda Sales é um dos arguidos no processo, juntamente com Nuno Rebelo de Sousa e o ex-diretor clínico do Hospital Santa Maria Luís Pinheiro.
Nuno Rebelo de Sousa recusou-se prestar esclarecimentos e não respondeu a qualquer das perguntas colocadas pelos deputados. Perante as perguntas dos vários partidos, em 03 de julho de 2024, limitou-se a responder sucessivamente: “pelas razões referidas, não respondo”.
O único dos arguidos que acabou por falar foi Luís Pinheiro, que, em 07 de janeiro, disse que não foi contactado por “ninguém superior” a Lacerda Sales e recusou ter pressionado o agendamento da primeira consulta. O ex-diretor clínico do Hospital Santa Maria disse também que a origem dos utentes não era determinante para as decisões clínicas e o processo não foi acelerado.
Além dos profissionais de saúde e diversos responsáveis, foi ouvida também a mãe das crianças e o chefe da Casa Civil do Presidente da República.
Às audições presenciais juntaram-se também os depoimentos por escrito de mais sete pessoas, entre os quais os dos ex-ministros Manuel Pizarro (Saúde) e Francisca Van Dunem (Justiça) ou do ex-primeiro-ministro, António Costa.
O Presidente da República, que remeteu a decisão sobre uma eventual pronúncia para depois de concluídas as restantes audições, já disse que não vai voltar a pronunciar-se sobre a matéria.
Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão por não terem surgido novos dados relacionados com sua intervenção.
Após as dezenas de audições, a deputada relatora – Cristina Rodrigues, do Chega – tem agora até 05 de março para entregar a versão preliminar do relatório com as conclusões da comissão parlamentar de inquérito.
Os partidos poderão depois apresentar propostas de alteração e a versão final do relatório tem de ser aprovada pelos deputados da comissão até 25 de março, para o documento ser depois debatido e votado em plenário da Assembleia da República.
A comissão de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras viu-se obrigada ainda pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) a mudar o nome e a passar a usar a designação oficial completa: “Comissão Parlamentar de Inquérito para verificação da legalidade e da conduta dos responsáveis políticos alegadamente envolvidos na prestação de cuidados de saúde a duas crianças (gémeas) tratadas com o medicamento ‘Zolgensma’”.
A Assembleia da República recorreu da decisão do STA, considerando que o tribunal invadiu competências do parlamento.