Versão 2.0? Não, obrigado!

Ainda agora chegou e os efeitos já se fazem sentir (da pior maneira). O 47º presidente dos Estados Unidos não se fez rogado no seu retorno à Casa Branca e, em menos de 24 horas, teve honras de abertura em todos os noticiários (pelas piores razões), com a assinatura de um conjunto de ordens executivas, num admirável espetáculo circense, sem paralelo à escala planetária.

Devo dizer que esperava outra atitude do homem. Julgava que a idade e a experiência acumulada trariam algum resquício de bom senso nesta administração 2.0. Mas ao contrário do que se passa no mundo tecnológico, onde as segundas versões (e posteriores) vão gradualmente corrigindo o produto original, eliminando bugs e limando arestas com o intuito de tornar o produto final mais eficaz, no caso de Trump 2.0, constata-se que os (muitos) erros da versão original permanecem embutidos no código. Aliás, creio até que esta nova versão possa vir a revelar-se pior que a primeira! Diz o povo que “no melhor pano cai a nódoa” e isso é desagradável, mas quando o pano pouco vale, mais uma, menos uma, não faz grande diferença.

Na mesma semana da tomada de posse, decorreu em Davos, na Suíça, a 55ª reunião anual do Fórum Económico Internacional. Trump não marcou presença física, mas lá apareceu em videoconferência com novas afirmações bombásticas, onde ficou claro que se adivinham tempos muito difíceis. Imagino a indignação de muitos e o quão difícil terá sido engolir o sapo em nome das sempre desejáveis boas relações internacionais.

Felizmente, outras estrelas passaram por Davos. A nossa estrela também lá esteve, mas ao contrário de Trump, Von der Leyen pautou-se pela discrição, assumindo publicamente que os EUA são um dos “parceiros mais próximos” da UE e que os laços transatlânticos devem ser mantidos e aprofundados. Deixou claro que a ordem mundial assente na cooperação está ameaçada e que (cito) “em vez disso, entramos numa nova era de competição geoestratégia”.

Independentemente do cenário delicado que se adivinha a nível internacional, Von der Leyen esteve bem ao lançar o Fórum Mundial para a Transição Energética, juntamente com um conjunto de parceiros internacionais, como Brasil, Canadá, República do Congo, África do Sul, Reino Unido, entre tantos outros. A meta é clara: alcançar objetivos climáticos ambiciosos e apoiar os países na transição para uma energia mais limpa. Todavia, pese embora os indicadores apontem na direção certa, com os investimentos em energia limpa a superarem consideravelmente os investimentos feitos nos combustíveis fósseis, há dois importantes alertas que importa reter.

Em primeiro lugar, a presidente da Comissão relembrou que a transição energética está longe de ser uma realidade ao alcance de todos e destacou o exemplo de África, um continente com um potencial enorme ao nível da energia solar, mas que recebe apenas 2% dos investimentos globais em energia limpa e onde cerca de 600 milhões de pessoas não têm acesso à eletricidade! E em segundo lugar, referiu que existem avanços importantes, mas não estão a acontecer ao ritmo que as exigências decorrentes dos desafios atuais exigem. Há investimentos milionários que precisam de ser realizados rapidamente e isso não está ao alcance de empresas, regiões ou até de países. Agir rápido, mas em conjunto, de forma estrategicamente coordenada, torna-se, pois, um imperativo.

Por outras palavras, a Comissão Europeia, pela voz da sua presidente, deixou claro que a salvaguarda dos nossos interesses internos não pode ser descurada, mas é dever da UE continuar a olhar para o mundo no seu todo. É uma visão muito diferente daquela que vem do outro lado do Atlântico, centrada na obsessão pela prosperidade interna, como se o sucesso dos EUA não dependesse também do sucesso de terceiros. Há realmente gente muito estranha que continua a julgar-se “a última bolacha do pacote” e que ainda não percebeu que o mundo, afinal, é apenas e só um único espaço comum partilhado por 8,2 mil milhões de habitantes.

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