E se falássemos da gorja?

Não, não vou falar da garganta, nem do pescoço, nem da quilha.

Vou falar da quantia em dinheiro que se entrega como recompensa para além do pagamento dum serviço prestado.

Sim, é sinónimo de gorjeta, aquela quantia paga espontaneamente de forma suplementar ao preço devido, a título de agradecimento pela prestação satisfatória de um serviço.

Dar gorjeta é gratificar, palavra que exprime ficar grato.

Mas isto da gorjeta tem muito que se lhe diga. Sabe que há países onde dar gorjeta é ofensivo?

Hoje falamos de gorjeta como prestação pecuniária. Houve, porém, outras formas de agradecimento, nomeadamente pela oferta de uma bebida. Talvez venha daí a «pourboire», gorjeta em francês, que à letra é mesmo para beber: pour boire.

E nessa linha a palavra alemã para gorjeta: trinkgeld = dinheiro para beber.

A gorjeta divide opiniões: Há quem diga que não dá, porque no seu trabalho também não recebe.

Sectores outros existem onde gorjetear é normalíssimo, constituindo mesmo uma forma de manifestar o grau de satisfação e apreço pelo serviço efetuado.

A gorjeta, porém, pode trazer consigo um perigo relevante:

Pode transformar-se numa forma de manter salários baixos, transferindo para o cliente a complementação salarial.

Há quem considere que dar gorjeta é transformar alguém em lacaio, em subserviente.

Também não faltarão os que ligam a gorjeta a uma forma de corrupção.

No lado oposto estarão os que consideram que a gorjeta motiva a excelência, aumenta a produtividade, releva a qualidade e o apreço.

Duma coisa tenho a certeza: a gorjeta não pode ser camuflagem dos baixos salários, que não correspondem à formação necessária para o desempenho de muitas funções, não estarão compatíveis com os elevados ganhos que determinados sectores têm na realidade empresarial actual, a baterem recordes constantes de números de clientela e resultados, mas teimosamente agarrados a salários que não são motivadores, nem correspondem às funções desempenhadas, com horários degradantes, desrespeitadores das realidades e necessidades familiares.

Falemos de restauração, sector que genericamente todos conhecerão. Começa a praticar-se a percentagem de serviço, ou seja, ao valor do consumo, adita-se uma percentagem, situada entre os cinco e os dez por cento, como taxa de serviço. Se tal valor não for a justificação para a manutenção dos salários inadequados, aumentando-se os ganhos das entidades detentoras dos negócios, à custa dos assalariados, nem for razão para aumento desajustado dos preços dos produtos disponibilizados, pode ser uma hipótese a seguir.

Outras questões podem vir à colação:

As gratificações podem ser distribuídas de várias formas. Será justo, por exemplo, que só as recebam os funcionários de sala, que contactam directamente a clientela? E se o sector da cozinha, por hipótese, não apresentar trabalho qualitativamente válido, terão os colegas de sala oportunidade de apresentar um produto atrativo e cativante, por maior simpatia que demonstrem?

Assunto a merecer destaque será a questão da tributação da gorjeta. Sim a gorjeta é tributável. Mas não tem de ser adicionada ao salário base. A gorjeta tem uma taxa autónoma de tributação, que é de 10% e não é adicionada ao salário, evitando-se assim a subida do imposto IRS.

A gorjeta tem um tratamento fiscal especial, não estando sujeita a retenção na fonte, nem a contribuição para a Segurança Social, nem a IVA.

Que a gorjeta seja uma forma de compensar a qualidade, a afabilidade, a competência, a presteza, a simpatia, o aconselhamento, daqueles que nos disponibilizam momentos agradáveis, de bom convívio e proximidade, mas jamais sejam formas de manter a política de salários de miséria e exploração.

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